quarta-feira, 16 de abril de 2014

A casa de Hads 61 ao 70

Capítulo LXI - Percy

PERCY AINDA NÃO TINHA MORRIDO, mas já estava cansado de ser um cadáver.
Enquanto seguiam penosamente para o coração do Tártaro, o garoto não parava de olhar para o próprio corpo, perguntando-se como aquele podia ser ele. Os braços eram como duas varetas envoltas em couro descolorido. Suas pernas esqueléticas se dissolviam em fumaça a cada passo. Tinha aprendido, mais ou menos, a se mover dentro da Névoa da Morte, mas a mortalha mágica ainda parecia uma camada de gás hélio.
Estava preocupado que a Névoa da Morte ficasse presa a ele para sempre, mesmo que de algum modo conseguissem sobreviver ao Tártaro. Não queria passar o resto da vida parecendo um figurante de The Walking Dead.
Percy tentou se concentrar em outra coisa, mas não havia nenhuma boa opção. Sob seus pés, o chão reluzia em um roxo nojento, com veias pulsando. À luz mortiça das nuvens de sangue e envolta na Névoa da Morte, Annabeth parecia um zumbi recém-saído da tumba.
A vista mais deprimente do mundo estava bem diante deles.
Um exército de monstros se estendia até o horizonte: bandos de arai aladas, tribos de ciclopes, espíritos malignos esvoaçantes. Milhares de vilões, talvez dezenas de milhares, todos aguardando irrequietos e espremidos uns contra os outros. A visão lembrava o corredor principal superlotado de uma escola no intervalo entre duas aulas, mas neste caso os estudantes eram mutantes muito fedidos que exageraram nos esteroides.
Bob os conduziu na direção do exército. Não tentou se esconder. Não que isso fosse adiantar. Como uma figura prateada de três metros de altura, Bob não era bom em passar despercebido.
A uns trinta metros dos monstros mais próximos, Bob se virou para Percy.
— Fiquem quietos e atrás de mim. Eles não vão notar vocês.
— Tomara — murmurou Percy.
No ombro do titã, Bob Pequeno acordou de seu cochilo, ronronou um pouco, quase provocando um terremoto, e arqueou as costas, tornando-se esquelético por um segundo e voltando ao normal logo em seguida. Pelo menos ele não parecia nervoso.
Annabeth examinou as próprias mãos de zumbi.
— Bob, se estamos invisíveis... como você consegue nos ver? Quer dizer, tecnicamente você é, você sabe...
— Sei. Mas nós somos amigos.
— Nix e seus filhos podiam nos ver — lembrou Annabeth.
Bob deu de ombros.
— Aquilo foi nos domínios de Nix. É bem diferente.
— Hã... está bem.
Annabeth não pareceu muito convencida, mas já tinham chegado. Não havia escolha.
Percy olhou fixamente para o enxame de monstros malignos.
— Bem, pelo menos não vamos ter que nos preocupar em esbarrar com nenhum outro amigo nesta multidão.
Bob sorriu.
— É! Isso é uma boa notícia! Agora, vamos. A Morte está perto.
— As Portas da Morte estão perto — corrigiu Annabeth — cuidado com o que diz.
Enfiaram-se na multidão. Percy tremia tanto que teve medo de acabar tirando a Névoa da Morte de cima de si. Não era a primeira vez que via um grande grupo de monstros. Já havia lutado contra um exército deles durante a Batalha de Manhattan. Mas aquilo era diferente. Sempre que lutara contra monstros no mundo mortal, Percy pelo menos sabia que estava defendendo seu lar. Isso lhe dava coragem, por pior que estivesse a situação. Ali, Percy era o invasor. Estava tão deslocado no meio daquela multidão de monstros quanto o Minotauro estaria na estação central de Nova York na hora do rush.
A poucos metros, um grupo de empousai devorava a carcaça de um grifo enquanto os companheiros do animal morto voavam ao redor, grasnando furiosos. Um nascido da terra de seis braços e um ogro lestrigão se atacavam com pedras, mas Percy não soube ao certo se era sério ou se só estavam brincando. Um fio escuro de fumaça, que o garoto imaginou ser um eidolon, possuiu um ciclope e fez com que o monstro batesse na própria cara, em seguida o deixou e partiu em busca de outra vítima.
— Percy, veja — sussurrou Annabeth.
A alguns metros, havia uma figura com roupas de vaqueiro chicoteando cavalos que exalavam fogo. O sujeito usava um chapéu de caubói por cima dos cabelos oleosos, jeans GG e botas de couro pretas. De lado, podia passar por humano, até que se virou, e Percy viu que a parte superior de seu corpo era dividida em três tórax, cada um vestido em uma camisa de faroeste de cor diferente.
Sem sombra de dúvida, aquele era Geríon, que tinha tentado matar Percy dois anos antes no Texas. Aparentemente, o rancheiro maligno queria um novo rebanho. A ideia de esse cara sair cavalgando pelas Portas da Morte fez com que o corpo de Percy voltasse a doer. As costelas latejavam onde as arai o haviam acertado com a maldição que Geríon lançou à beira da morte na floresta. Ele queria ir até o vaqueiro de três troncos, dar um soco na cara dele e berrar: muito obrigado, Tex! Infelizmente, não podia.
Quantos outros velhos inimigos estariam naquela multidão? Percy começou a se dar conta de que cada um de seus triunfos tinha sido apenas uma vitória temporária. Por mais forte ou sortudo que fosse, não importava quantos monstros destruísse, Percy um dia seria derrotado. Era apenas um mortal. Ia ficar velho demais, fraco demais ou lento demais. Ia morrer. E aqueles monstros... eles eram eternos. Sempre voltavam. Talvez demorasse meses ou anos para se reconstituírem, talvez até séculos. Mas iam renascer.
Ao vê-los reunidos no Tártaro, Percy se sentiu tão desamparado quanto as almas no Rio Cócito. E daí que era um herói? E daí que realizara feitos corajosos? O mal sempre estava presente, regenerando-se, fervilhando sob a superfície. Percy não passava de um pequeno estorvo para aqueles seres imortais. Eles só precisavam esperar. Um dia, os filhos ou filhas de Percy poderiam ter que enfrentar todos aqueles monstros novamente.
Filhos e filhas.
O pensamento o atingiu em cheio. O desespero se foi tão rápido quanto havia surgido. Olhou para Annabeth. Sua namorada ainda parecia um cadáver enevoado, mas Percy a imaginou com sua verdadeira aparência: os olhos cinza determinados, os cabelos louros presos para trás com uma bandana, o rosto abatido e coberto de fuligem, mas linda como sempre.
Tudo bem, talvez os monstros sempre voltassem. Mas os semideuses faziam o mesmo. O Acampamento Meio-Sangue tinha sobrevivido por muitas gerações. Assim como o Acampamento Júpiter. Mesmo separados, os dois locais tinham sobrevivido. Agora, se gregos e romanos pudessem se unir, ficariam ainda mais fortes.
Ainda havia esperança: ele e Annabeth tinham chegado até ali. As Portas da Morte estavam quase ao seu alcance.
Filhos e filhas. Uma ideia ridícula. Um pensamento maravilhoso. Bem ali no meio do Tártaro, Percy sorriu.
— Qual o problema? — murmurou Annabeth.
Com seu disfarce de zumbi da Névoa da Morte, Percy provavelmente parecia estar fazendo uma careta de dor.
— Nada — disse ele. — Eu estava só...
De algum lugar mais à frente, ouviram uma voz profunda e retumbante:
— JÁPETO!

Capítulo LXII - Percy



Capítulo LXII - Percy
UM TITÃ CAMINHAVA NA DIREÇÃO deles, chutando despreocupadamente monstros menores de seu caminho. Tinha mais ou menos a mesma altura que Bob e usava uma armadura trabalhada de ferro estígio, com um único diamante brilhando no centro do peitoral. Tinha olhos branco azulados, que lembravam uma geleira, e pareciam igualmente frios. Carregava embaixo do braço um elmo de combate na forma de uma cabeça de urso. No cinto pendia uma espada do tamanho de uma prancha de surfe.
Apesar das cicatrizes de batalhas, o rosto do titã era belo e estranhamente familiar. Percy estava quase certo de nunca ter visto o sujeito antes, mas seus olhos e seu sorriso lembravam alguém...
O titã parou na frente de Bob e o segurou pelo ombro.
— Jápeto! Não diga que não reconhece o próprio irmão?!
— Não! — respondeu nervosamente Bob. — Não diria isso.
O outro titã deu uma grande gargalhada.
— Ouvi dizer que havia sido atirado nas águas do Rio Lete, irmão. Deve ter sido terrível! Mas sabíamos que, com o tempo, você se reestabeleceria. Sou eu, Coio! Coio!
— É claro — disse Bob — Coio, titã do...
— Do Norte! — completou Coio.
— Eu sei! — gritou Bob.
Riram juntos e deram socos no braço um do outro.
Aparentemente incomodado por todo aquele empurra-empurra, Bob Pequeno subiu na cabeça de Bob e começou a se aninhar nos cabelos prateados do titã.
— Pobre Jápeto — disse Coio — que vil humilhação! Olhe só para você! Uma vassoura? Um uniforme de criado? Um gato no cabelo? Hades sem dúvida terá de pagar por esses insultos. Qual é o nome daquele semideus que roubou sua memória? Temos que dar cabo dele. Eu e você, hein?
— Ha, ha — Bob engoliu em seco — é mesmo. Dar cabo.
Percy apertou sua caneta. Mesmo antes da ameaça de dar cabo dele, não tinha gostado muito do irmão do amigo. Em comparação ao modo simples de falar de Bob, Coio parecia recitar Shakespeare. Só isso foi suficiente para irritar Percy.
Estava pronto para tirar a tampa da Contracorrente se fosse necessário, mas até então Coio não parecia tê-lo notado. E Bob ainda não os havia traído, apesar de ter tido muitas oportunidades.
— Ah, como é bom vê-lo... — Coio tamborilou os dedos no elmo de cabeça de urso. — Lembra como nos divertíamos antigamente?
— É claro! — disse Bob, animado. — Quando nós... Hã...
— Seguramos Urano, nosso pai, no chão — disse Coio.
— É! A gente adorava lutar com papai...
— Nós o imobilizamos.
— Foi o que eu quis dizer!
— Para Cronos despedaçá-lo com sua foice.
— É, ha, ha, ha — Bob parecia um pouco enjoado — foi engraçado.
— Você agarrou o pé direito de nosso pai, se bem me lembro — disse Coio — e Urano deu um chute na sua cara enquanto lutava para se soltar. Como implicamos com você por causa disso!
— Fui um bobo! — concordou Bob.
— Infelizmente, nosso irmão Cronos foi desintegrado por aqueles semideuses insolentes — Coio deu um suspiro — ainda restaram alguns pedaços e partes de sua essência, mas nada que permita que ele se forme outra vez. Há ferimentos que nem o Tártaro pode curar.
— Infelizmente.
— Mas o resto de nós tem mais uma chance de brilhar, hein? — Ele se inclinou para a frente de modo conspiratório. — Esses gigantes podem achar que vão ficar com o poder. Deixemos que sejam nossa tropa de choque e destruam os Olimpianos, todos eles, completamente. Mas assim que a Mãe Terra despertar, vai se lembrar de que nós somos seus filhos mais velhos. Guarde minhas palavras. Os titãs ainda vão dominar o cosmo.
— Humm — disse Bob — os gigantes podem não gostar disso.
— Não me importo com o que eles possam gostar — disse Coio — eles, de qualquer modo, já atravessaram as Portas da Morte. Voltaram ao mundo mortal. Polibotes foi o último. Foi há meia hora. Ainda estava resmungando por ter perdido sua presa. Parece que um semideus que ele perseguia foi engolido por Nix. Nunca mais tornaremos a vê-lo, aposto!
Annabeth agarrou o pulso de Percy. Ele não conseguia interpretar muito bem a expressão dela por conta da Névoa da Morte, mas percebeu que estava alarmada.
Se os gigantes já haviam passado pelas Portas, então pelo menos não estavam mais à caça de Percy e Annabeth pelo Tártaro. Infelizmente, isso também significava que seus amigos no mundo mortal estavam correndo um perigo ainda maior. Todas as lutas anteriores com os gigantes haviam sido em vão. Seus inimigos iam renascer fortes como sempre.
— Bem! — Coio sacou a espada enorme. A lâmina irradiava um frio mais profundo do que a Geleira Hubbard. — Tenho que ir. Letó já deve ter se regenerado. Vou convencê-la a lutar.
— Claro — murmurou Bob — Letó.
Coio riu.
— Também se esqueceu de minha filha? Bem, faz tempo que não a vê. Os pacíficos como ela sempre levam mais tempo para se reformar. Desta vez, entretanto, tenho certeza de que Letó vai lutar por vingança. O modo como Zeus a tratou depois que ela lhe deu os gêmeos foi revoltante!
Percy quase grunhiu alto.
Os gêmeos.
Ele se lembrou do nome Letó: a mãe de Apolo e Ártemis. Esse tal de Coio era vagamente familiar porque tinha os olhos frios de Ártemis e o sorriso de Apolo. Aquele titã era o avô deles, o pai de Letó. Percy ficou com dor de cabeça.
— Então é isso! Eu o encontro no mundo mortal! — Coio bateu em Bob com o peito e quase derrubou o gato de sua cabeça. — Ah, e dois outros de nossos irmãos estão guardando este lado das Portas, por isso vai vê-los em breve!
— Vou?
— Sem a menor dúvida! — Coio foi embora com passos pesados e quase derrubou Percy e Annabeth, que por pouco conseguiram sair de seu caminho.
Antes que a multidão de monstros ocupasse o espaço deixado pelo titã, Percy fez um gesto para que Bob se abaixasse para falar com eles.
— Você está bem, grandão? — murmurou Percy.
Bob pareceu confuso.
— Não sei. No meio disso aqui... — Ele fez um gesto amplo para indicar o que estava em torno deles. — O que significa estar bem?
Faz sentido, pensou Percy.
Annabeth olhou na direção das Portas da Morte, apesar de a multidão de monstros bloquear a visão delas.
— Será que ouvi direito? Tem mais dois titãs vigiando nossa saída? Isso não é bom.
Percy olhou para Bob. A expressão distante do titã o deixou preocupado.
— Você se lembrou de Coio? — perguntou em um tom gentil. — De todas aquelas coisas que ele contou?
Bob segurou a vassoura com mais força.
— Quando ele contou, eu lembrei. Ele me devolveu meu passado... de um jeito rápido como uma lança. Mas não sei se devo aceitá-lo. Ele ainda será meu mesmo que eu não queira?
— Não — disse Annabeth com firmeza — Bob, agora você é diferente. Ficou melhor.
O gatinho pulou da cabeça do titã. Andou em torno dos pés dele, batendo e esfregando o focinho na barra das calças de Bob, que não pareceu notar.
Percy queria estar tão seguro quanto Annabeth. Queria poder dizer a Bob com toda a confiança que ele deveria esquecer seu passado. Mas o garoto entendia a confusão do titã. Ele se lembrou do dia em que abriu os olhos na Casa dos Lobos, na Califórnia, com a memória apagada por Hera. Se alguém estivesse esperando Percy acordar... se o tivessem convencido de que seu nome era Bob e que ele era amigo dos titãs e dos gigantes... será que Percy teria acreditado? Será que teria se sentido traído quando descobrisse sua verdadeira identidade?
É diferente, disse a si mesmo. Nós somos os mocinhos.
Mas eram mesmo? Percy tinha deixado Bob no palácio de Hades, à mercê de um novo mestre que o odiava. Agora, não achava ter muito direito de dizer a Bob o que fazer... mesmo que suas vidas dependessem disso.
— Acho que você pode escolher, Bob — arriscou Percy — pegar as partes do passado de Jápeto que quer guardar e abandonar o resto. O que importa é seu futuro.
— Futuro... — refletiu Bob — esse é um conceito mortal. Não fui feito para mudar, Percy, meu amigo — ele olhou para a horda de monstros em sua volta — nós somos os mesmos... para sempre.
— Se você fosse o mesmo, eu e Annabeth já estaríamos mortos — argumentou Percy — talvez não devêssemos ter ficado amigos, mas ficamos. Você tem sido o melhor amigo que eu poderia querer.
Os olhos de Bob pareceram mais escuros que o normal. Ele estendeu a mão, e Bob Pequeno pulou para ela. O titã se ergueu e ficou de pé.
— Então, vamos, amigos. Falta pouco.

* * *

Pisar no coração de Tártaro não era nem de longe tão divertido quanto poderia parecer.
O chão arroxeado era escorregadio e pulsava de modo regular. A distância, parecia liso, mas de perto era cheio de dobras e elevações que dificultavam cada vez mais o avanço do trio. Emaranhados de artérias e veias serviam de apoio para o pé de Percy, mas eles iam adiante bem devagar.
E, é claro, havia monstros por toda parte. Matilhas de cães infernais caçavam pela planície, latindo, rosnando e atacando qualquer monstro que baixasse a guarda. Arai voavam em círculos com suas asas de morcego, e suas silhuetas negras eram visíveis contra as nuvens venenosas.
Percy tropeçou. Ele se apoiou em uma artéria, e uma sensação de formigamento subiu por seu braço.
— Tem água aqui — disse ele — água de verdade.
Bob deu um grunhido.
— Um dos cinco rios. O sangue dele.
— Sangue dele? — Annabeth se afastou do amontoado de veias mais próximo. — Eu sabia que todos os rios do Mundo Inferior desaguavam no Tártaro, mas...
— É — concordou Bob. — Todos correm por seu coração.
Percy deslizou a mão por uma teia de vasos capilares. Será que era a água do Estige que corria sob seus dedos? Seria o Lete? E se uma daquelas veias estourasse quando pisasse nela?
Percy estremeceu. Ele se deu conta de que estava caminhando pelo sistema circulatório mais perigoso do universo.
— Vamos logo — disse Annabeth — se não conseguirmos...
Não pôde terminar a frase.
Diante deles, riscos irregulares rasgavam o ar, como raios, só que completamente negros.
— As Portas — disse Bob — um grupo grande deve estar passando.
Percy sentiu gosto de sangue de górgona na boca. Mesmo que seus amigos do Argo II conseguissem encontrar o outro lado das Portas da Morte, como poderiam enfrentar as ondas de monstros que estavam passando por elas, especialmente se os gigantes já estivessem à espera deles?
— Todos os monstros passam pela Casa de Hades? — perguntou ele. — De que tamanho é esse lugar?
Bob deu de ombros.
— Talvez sejam mandados para outro local quando passam. A Casa de Hades fica na terra, não é? Lá é domínio de Gaia. Ela pode enviar seus súditos para onde quiser.
Percy ficou arrasado. Já era ruim demais que os monstros passassem pelas Portas da Morte para ameaçar seus amigos em Épiro. Depois disso, passou a imaginar o solo no lado mortal como um enorme sistema de metrô que despejava gigantes e outras criaturas malignas onde quer que Gaia desejasse: no Acampamento Meio-Sangue, no Acampamento Júpiter, ou no caminho do Argo II antes mesmo que o navio chegasse a Épiro.
— Se Gaia tem tanto poder, ela não poderia controlar onde nós vamos parar? — perguntou Annabeth.
Percy não gostou nada daquela pergunta. Às vezes desejava que Annabeth não fosse tão inteligente.
Bob coçou o queixo.
— Vocês não são monstros. Talvez seja diferente com vocês.
Ótimo, pensou Percy.
Ele não gostou nada da ideia de Gaia esperando por eles do outro lado, pronta para teletransportá-los para o meio de uma montanha. Mas pelo menos as Portas eram uma chance de sair do Tártaro. Não era como se tivessem uma alternativa melhor.
Bob os ajudou a subir até o topo de mais uma elevação. De repente, as Portas da Morte surgiram diante deles: um retângulo de escuridão gigantesco no topo da colina-músculo seguinte, a cerca de quinhentos metros de distância, cercado por monstros tão apinhados que Percy poderia percorrer todo o caminho andando em cima de suas cabeças.
Ainda estavam longe demais para vê-la em detalhes, mas os titãs plantados de cada lado da porta eram bem reconhecíveis. O da esquerda usava uma armadura dourada reluzente que emitia calor.
— Hiperíon — murmurou Percy — esse cara não consegue ficar morto.
O da direita usava uma armadura azul-escura, com chifres de carneiro projetando-se nas laterais de seu elmo. Percy só o havia visto em sonhos, mas com certeza era Crios, o titã que Jason tinha matado na batalha pelo Monte Tam.
— Os outros irmãos de Bob — disse Annabeth. A Névoa da Morte tremeluziu em torno dela, transformando por um breve instante seu rosto em um crânio sorridente. — Bob, você consegue lutar com eles, se precisar?
Bob ergueu a vassoura como se estivesse pronto para fazer uma faxina pesada.
— Precisamos ir logo — disse ele, o que, Percy percebeu, não respondia a pergunta. — Sigam-me.

Capítulo LXIII - Percy

ATÉ ALI, O PLANO DE se camuflar com a Névoa da Morte parecia estar funcionando. Então, naturalmente, Percy esperava que alguma coisa desse muito errado no último minuto.
Quando faltavam apenas dez metros para chegar às Portas, ele e Annabeth congelaram.
— Ah, deuses — murmurou Annabeth — elas são idênticas.
Percy entendeu o que ela queria dizer. Emoldurado com ferro estígio, o portal mágico era um elevador – as portas decoradas com painéis prateados e negros com desenhos art déco. Tirando o fato de as cores serem invertidas, eram exatamente iguais às dos elevadores do Edifício Empire State, a entrada do Olimpo.
Ao vê-las, Percy sentiu tanta saudade de casa que perdeu o fôlego. Não sentia saudade apenas do Monte Olimpo. Sentia falta de tudo que deixara para trás: a cidade de Nova York, o Acampamento Meio-Sangue, a mãe e o padrasto. Seus olhos arderam. Não tentou falar por medo que a voz o traísse.
As Portas da Morte pareciam um insulto pessoal, criadas para lembrá-lo de tudo que não podia ter.
Assim que superou o choque inicial, Percy reparou em outros detalhes: o gelo que se espalhava a partir das portas, o brilho arroxeado em torno delas e as correntes que as prendiam no chão. Correntes de ferro negro pendiam das laterais do portal, como os cabos de sustentação de uma ponte suspensa. Estavam presas a ganchos fixados no solo carnoso. Os dois titãs, Crios e Hiperíon, montavam guarda próximos a eles.
Enquanto Percy observava, o portal estremeceu. Um raio negro atravessou o céu. As correntes sacudiram, e os titãs pisaram com força nos ganchos para mantê-las presas. As portas do elevador deslizaram, revelando o interior dourado.
Percy se preparou para avançar, mas Bob colocou a mão em seu ombro.
— Espere — alertou ele.
Hiperíon gritou para a multidão ao redor.
— Grupo A-22! Depressa, suas lesmas!
Uma dúzia de ciclopes se aproximou, sacudindo bilhetes vermelhos e gritando de empolgação. Eles não deveriam conseguir passar pelas portas de tamanho humano, mas quando se aproximaram, seus corpos se distorceram e encolheram, e as Portas da Morte os sugaram para dentro.
O titã Crios apertou com o polegar o botão SUBIR do lado direito do elevador. As portas se fecharam.
O portal tornou a estremecer. O relâmpago negro se esvaiu.
— Vocês precisam entender como funciona — murmurou Bob.
Ele estava se dirigindo ao gatinho em sua mão, talvez para que os outros monstros não ficassem se perguntando com quem estava falando.
— Cada vez que as Portas se abrem, elas tentam teletransportar para um lugar diferente. Tânatos as fez assim para que apenas ele pudesse localizá-las. Mas agora elas foram acorrentadas. As portas não conseguem sair dali.
— Então precisamos cortar as correntes — sussurrou Annabeth.
Percy olhou para a forma reluzente de Hiperíon. Da última vez que lutara com o titã, ele precisara de toda a sua força. E mesmo assim quase morrera. Agora tinham que enfrentar dois titãs, com milhares de monstros como reforço.
— Nossa camuflagem... — disse Percy — ela vai desaparecer se fizermos alguma coisa agressiva, como cortar as correntes?
— Não sei — disse Bob para seu gatinho.
— Miau — respondeu Bob Pequeno.
— Bob, você vai precisar distraí-los — disse Annabeth — Percy e eu vamos dar a volta sem sermos vistos e cortar as correntes por trás.
— Está bem — Bob respondeu — mas ainda tem um problema. Quando alguém passa pelas Portas, outra pessoa tem que ficar do lado de fora para apertar o botão e defendê-lo.
Percy engoliu em seco.
— Hã... defender o botão?
Bob assentiu enquanto acariciava o queixo do gatinho.
— Alguém precisa continuar apertando o botão SUBIR por doze minutos, ou a viagem não termina.
Percy olhou para as Portas. Era verdade, Crios ainda estava apertando o botão SUBIR com o polegar. Doze minutos... De alguma forma, teriam que afastar os titãs daquelas portas. Depois Bob, Percy ou Annabeth teria que manter o botão apertado por doze longos minutos, no meio de um exército de monstros no coração do Tártaro, enquanto os outros dois subiam para o mundo mortal. Era impossível.
— Por que doze minutos? — perguntou Percy.
— Não sei — disse Bob — por que doze Olimpianos ou doze titãs?
— É, faz sentido — Percy concordou, sentindo um gosto amargo na boca.
— O que quer dizer com “a viagem não termina”? — perguntou Annabeth. — O que acontece com os passageiros?
Bob não respondeu. A julgar por sua expressão aflita, Percy decidiu que não queria estar naquele elevador se ele ficasse parado entre o Tártaro e o mundo mortal.
— Se apertarmos o botão por doze minutos — disse Percy — e cortarmos as correntes...
— As Portas deverão se restaurar — Bobcompletou — pelo menos é isso que deviam fazer. Vão desaparecer do Tártaro e ressurgir em outro lugar, onde Gaia não possa usá-las...
— Tânatos pode tomá-las de volta — disse Annabeth — a morte volta ao normal, e os monstros perdem seu atalho para o mundo mortal.
Percy deu um suspiro.
— Molezinha. Exceto por... bem, tudo.
Bob Pequeno ronronou.
— Posso ficar e apertar o botão — ofereceu Bob.
Uma mistura de sentimentos dominou Percy: tristeza, pesar, gratidão e culpa. Aquilo tudo pesava tanto quanto cimento em seu estômago.
— Bob, não podemos pedir que faça isso. Você também quer passar pelas Portas. Quer ver o céu de novo, e as estrelas, e...
— Eu ia gostar disso — concordou Bob — mas alguém tem que apertar o botão. E quando as correntes forem cortadas... meus irmãos vão lutar para impedir sua passagem. Não vão querer que as Portas desapareçam.
Percy olhou para a horda infinita de monstros. Mesmo se deixasse Bob se sacrificar, como um único titã poderia se defender contra tantos por doze minutos sem tirar o dedo do botão?
O cimento assentou dentro dele. Percy sempre desconfiara de como aquilo ia acabar. Ele teria que ficar para trás. Enquanto Bob enfrentava o exército, Percy pressionaria o botão do elevador para garantir que Annabeth chegasse em segurança.
De algum modo, tinha que convencê-la a ir sozinha. Enquanto ela estivesse a salvo e as Portas desaparecessem, ele podia morrer sabendo que tinha feito a coisa certa.
— Percy...? — Annabeth o encarou, um tom desconfiado na voz.
Ela era inteligente demais. Se seus olhos se encontrassem, saberia exatamente o que Percy estava pensando.

— Uma coisa de cada vez — ele falou — vamos cortar estas correntes..

Capítulo LXIV - Percy

— JÁPETO — GRITOU HIPERÍON. — ORA, ORA. ACHEI que você estivesse se escondendo embaixo de um balde em algum lugar.
Bob, de cara amarrada, caminhou pesadamente até ele.
— Eu não estava me escondendo.
Percy foi discretamente para o lado direito das Portas e Annabeth, para o esquerdo. Os titãs não pareceram reparar neles, mas Percy não queria arriscar. Manteve Contracorrente na forma de caneta. Andava bem agachado, fazendo o mínimo de barulho possível. Os monstros inferiores mantinham uma distância respeitosa dos titãs, por isso havia espaço vazio suficiente para se mover ao redor das Portas; mas Percy estava bem consciente da multidão que rosnava às suas costas.
Annabeth decidira ir para o lado guardado por Hiperíon, pois imaginara que o titã sentiria a presença de Percy mais facilmente. Afinal de contas, o garoto fora o último a matá-lo no mundo mortal. Ele não se opôs. Depois de tanto tempo no Tártaro, mal conseguia olhar para a armadura dourada de Hiperíon sem que pontos escuros surgissem em sua visão.
Do outro lado das Portas, Crios estava parado, sombrio e silencioso, com o elmo de cabeça de carneiro cobrindo seu rosto. Mantinha um pé no gancho das correntes e o polegar no botão SUBIR.
Bob encarou os irmãos. Plantou a lança no chão e tentou parecer o mais feroz possível com um gatinho no ombro.
— Hiperíon e Crios. Eu me lembro de vocês.
— É mesmo, Jápeto? — O titã dourado riu, olhando na direção de Crios para dividir a piada. — É bom saber disso! Soube que Percy Jackson fez uma lavagem cerebral em você e o transformou em uma empregadinha. Como ele rebatizou você... Betty?
— Bob — rosnou ele.
— Bem, já era hora de você aparecer, Bob. Crios e eu estamos presos aqui hámeses...
— Semanas — corrigiu Crios.
Sua voz era um retumbar profundo no interior do elmo.
— Não importa! — disse Hiperíon. — É um trabalho entediante: guardar estas portas, fazer os monstros passarem por elas e seguir as ordens de Gaia. Falando nisso... Crios, qual é o próximo grupo?
— Vermelho Duplo — respondeu Crios.
Hiperíon deu um suspiro. As chamas brilharam mais quentes em seus ombros.
— Vermelho Duplo. Por que vamos de A-22 para Vermelho Duplo? Que espécie de sistema é esse? — Ele olhou para Bob. — Isso não é trabalho para mim... o Senhor da Luz! O titã do leste! Mestre do Alvorecer! Por que sou obrigado a esperar na escuridão enquanto os gigantes vão para a batalha e ficam com toda a glória? Agora,Crios eu posso até entender...
— Sempre fico com as piores tarefas — murmurou Crios sem tirar o dedo do botão.
— Mas eu? — disse Hiperíon. — Ridículo! Este devia ser seu trabalho, Jápeto. Venha, fique no meu lugar.
Bob encarava as Portas, mas seu olhar estava distante, perdido no passado.
— Nós quatro seguramos Urano — recordou ele — eu, Coio e vocês dois. Cronos nos prometeu os quatro cantos do mundo por ajudá-lo a assassinar nosso pai.
— É verdade — disse Hiperíon — e eu gostei muito de fazer aquilo! Teria usado a foice eu mesmo se tivesse tido a chance! Mas você, Bob... você sempre esteve em dúvida sobre matá-lo, não é? O titã gentil do oeste, fraco como o pôr do sol! Nunca vou conseguir entender por que nossos pais o chamaram de Empalador. Está mais paraChorão.
Percy se abaixou ao lado do gancho. Tirou a tampa da caneta e Contracorrente voltou à forma original. Crios não reagiu. Sua atenção estava muito concentrada em Bob, que tinha apontado a lança para o peito de Hiperíon.
— Ainda posso empalar — disse Bob, com a voz baixa e firme — você se gaba demais, Hiperíon. É forte e bravo, mas Percy Jackson o derrotou mesmo assim. Soube que você virou uma árvore linda no Central Park.
Os olhos de Hiperíon flamejaram.
— Cuidado, irmão.
— Pelo menos o trabalho de zelador é honesto — disse Bob — eu limpo a lambança dos outros. Deixo o palácio mais bonito do que quando o encontro. Mas você... você não liga para as cagadas que faz. Seguiu Cronos cegamente. Agora recebe ordens de Gaia.
— Ela é nossa mãe! — berrou Hiperíon.
— Mas não despertou para nossa guerra no Olimpo — lembrou Bob — ela prefere seus outros filhos, os gigantes.
Crios resmungou.
— Isso é bem verdade. Os filhos das profundezas.
— Vocês dois, calem a boca! — A voz de Hiperíon estava cheia de medo. — Nunca se sabe quando ele está ouvindo.
A campainha do elevador soou. Os três titãs pularam de susto.
Já tinham se passado doze minutos? Percy havia perdido a noção do tempo. Crios tirou o dedo do botão e chamou:
— Vermelho Duplo! Onde está o Vermelho Duplo?
Grupos de monstros se agitaram e empurraram uns aos outros, mas nenhum deles se aproximou.
Crios suspirou.
— Eu disse a eles para conferirem os bilhetes. Vermelho Duplo! Vocês vão perder o lugar na fila!
Annabeth estava pronta, posicionada bem atrás de Hiperíon. Ela ergueu a espada de osso de drakon acima da base das correntes. Sob a luz brilhante da armadura do titã, a Névoa da Morte a deixava parecida com um ghoul em chamas.
Ela ergueu três dedos, pronta para fazer a contagem regressiva. Tinham que cortar as correntes antes que o grupo seguinte tentasse entrar no elevador, mas também precisavam se assegurar de que os titãs estivessem o mais distraídos possível.
Hiperíon praguejou baixinho.
— Que maravilha! Isso vai atrapalhar completamente o cronograma. — Ele sorriu com desdém para Bob. — Faça sua escolha, irmão. Lute contra nós ou nos ajude. Não tenho tempo para suas lições de moral.
Bob olhou de esguelha para Annabeth e Percy. Percy achou que ele fosse começar uma briga, mas em vez disso, levantou a lança.
— Está bem. Eu fico de vigia. Qual de vocês quer tirar uma folga primeiro?
— Eu, é claro — disse Hiperíon.
— Eu! — rebateu Crios. — Estou segurando este botão há tanto tempo que meu polegar vai cair.
— Estou em pé aqui há mais tempo — resmungou Hiperíon — vocês dois vigiem as Portas enquanto eu vou para o mundo mortal. Tenho que me vingar de alguns heróis gregos!
— Ah, não! — reclamou Crios. — Aquele garoto romano está a caminho de Épiro, aquele que me matou no Monte Otris. Ele teve muita sorte. Agora é minha vez.
— Ah! — Hiperíon sacou a espada. — Vou arrancar suas tripas antes, cabeça de carneiro!
Crios ergueu a própria espada.
— Você pode tentar, mas não vou ficar mais tempo preso neste buraco fedorento!
Annabeth olhou nos olhos de Percy e falou sem emitir nenhum som: Um, dois...
Antes que ele pudesse acertar as correntes, um silvo agudo perfurou seus ouvidos, como o som de um foguete se aproximando. Percy só teve tempo de pensar:Ah, ah, antes de uma explosão abalar toda a encosta. Uma onda de calor o derrubou no chão. Estilhaços pretos atravessaram Crios e Hiperíon, despedaçando-os tão facilmente como papel em um triturador. Uma voz inexpressiva ecoou pela vastidão, abalando o solo quente e carnoso.
BURACO FEDORENTO.
Bob cambaleou, mas conseguiu permanecer de pé. De alguma forma, a explosão não atingira o titã. Ele agitava a lança a sua frente, tentando localizar a origem da voz. Bob Pequeno, o gatinho, desceu de seu ombro e se escondeu dentro do uniforme.
Annabeth tinha aterrissado a uns cinco metros das Portas. Quando conseguiu se levantar, Percy ficou tão aliviado ao vê-la viva que levou um tempo para se dar conta de que ela estava com sua aparência normal. A Névoa da Morte tinha evaporado.
Ele olhou para as próprias mãos. Seu disfarce também tinha desaparecido.
TITÃS, disse a voz, cheia de desdém. SERES INFERIORES. IMPERFEITOS E FRACOS.
Em frente às Portas da Morte, o ar escureceu e se solidificou. O ser que apareceu era tão grande e irradiava tanta maldade que Percy teve vontade de rastejar para longe e se esconder. Em vez disso, forçou-se a olhar para o deus, começando por suas botas de ferro negro, grandes como um caixão. As pernas estavam protegidas por grevas negras; o corpo era musculoso e a pele, roxa e grossa como o chão. O saiote da armadura era feito de milhares de ossos retorcidos e enegrecidos, unidos como os elos de uma corrente. Ele era preso por um cinto de braços monstruosos entrelaçados.
No peitoral do guerreiro, gigantes, ciclopes, górgonas e drakons se comprimiam, suas faces borradas se alternando na superfície como se tentassem sair. Os braços do guerreiro – musculosos, roxos e reluzentes – estavam nus, as mãos grandes como pás de escavadeira.
Mas o pior de tudo era a cabeça: um elmo de rocha e metal retorcidos e sem forma aparente, apenas pontas irregulares e pedaços pulsantes de magma. Todo o seu rosto era um redemoinho; uma espiral de escuridão. Enquanto Percy observava, as últimas partículas da essência de titã de Hiperíon e Crios foram aspiradas pelo guerreiro.
De algum modo, Percy conseguiu falar:
— Tártaro.
O guerreiro produziu um som como o de uma montanha se partindo ao meio. Percy ficou na dúvida se aquilo era um rugido ou uma risada.
Esta forma é apenas uma pequena manifestação de meu poder, disse o deus. Mas é o suficiente para lidar com vocês. Não costumo interferir, pequeno semideus. Lidar com insetos como vocês não está à minha altura.
— Hã... — As pernas de Percy estavam à beira do colapso. — O senhor... hum... não precisa se incomodar.
Vocês demonstraram ser surpreendentemente resistentes, disse Tártaro. Chegaram muito longe. Não posso mais apenas observar seu progresso.
Tártaro abriu os braços. Por todo o vale, milhares de monstros uivaram e rugiram, batendo suas armas e gritando em triunfo. As Portas da Morte estremeceram nas correntes.
Sintam-se honrados, pequenos semideuses, disse o deus das profundezas. Nem mesmo os Olimpianos mereceram minha atenção. Mas vocês... Vocês serão destruídos pelo próprio Tártaro!

Capítulo LXV - Frank

FRANK ESPERAVA FOGOS DE ARTIFÍCIO.
Ou ao menos um grande cartaz dizendo: BEM-VINDO AO LAR!
Três mil anos antes, seu ancestral grego – o bom e velho Poriclimeno, o metamorfo – navegara para o leste com os Argonautas. Séculos mais tarde, os descendentes de Poriclimeno serviram nas legiões romanas orientais. Então, devido a uma série de desventuras, a família acabou na China, finalmente emigrando para o Canadá no século XX. Agora, Frank estava de volta à Grécia, o que significava que a família Zhang fizera a volta ao mundo.
Parecia ser motivo de comemoração, embora o único comitê de boas-vindas fosse um bando de harpias selvagens e famintas que atacaram o navio. Frank se sentiu mal ao abatê-las com seu arco. Não parava de pensar em Ella, a amiga harpia assustadoramente inteligente de Portland. Mas aquelas harpias não eram Ella e alegremente teriam arrancado seu rosto. Assim, ele as reduziu a nuvens de poeira e penas.
A paisagem grega abaixo era tão inóspita quanto as harpias. As colinas eram cobertas de pedras e cedros atrofiados que tremulavam no ar nebuloso. O sol ardia como se estivesse tentando transformar o campo em um escudo de bronze celestial. Mesmo a trinta metros de altura, podia ouvir as cigarras zumbindo nas árvores, um barulho sonolento e sobrenatural que fazia seus olhos pesarem. Até mesmo as vozes do deus da guerra dentro de sua cabeça pareciam ter cochilado. Mal incomodaram Frank desde que a tripulação chegara à Grécia.
O suor escorria pelo seu pescoço. Após ter sido congelado no convés inferior pela louca deusa da neve, Frank pensou que nunca voltaria a se aquecer outra vez, mas agora as costas de sua camisa estavam encharcadas.
— Quente e úmido! — Leo sorriu ao leme. — Isso me dá saudades de Houston! O que me diz, Hazel? Tudo o que precisamos agora são alguns mosquitos gigantes e sentiremos como se estivéssemos na Costa do Golfo!
— Muito obrigada, Leo — resmungou Hazel — provavelmente agora seremos atacados por mosquitos monstros da Grécia Antiga.
Frank os observou, admirando silenciosamente como a tensão entre os dois desaparecera.
Não sabia o que tinha acontecido com Leo durante seus cinco dias de exílio, mas aquilo o mudara. Ainda fazia brincadeiras, mas Frank sentia que o filho de Hefesto estava diferente, como um navio com uma nova quilha. Talvez não pudesse ver a quilha, mas sabia que estava lá pela maneira como o barco fendia as ondas.
Leo não parecia tão focado em provocá-lo. Conversava com mais facilidade com Hazel, sem os olhares melancólicos e vagos que tanto incomodavam Frank.
A garota indicara o problema em uma conversa entre os dois:
“Ele está apaixonado por alguém.”
Frank estava incrédulo.
“Como? Onde? Como você pode saber?”
Hazel sorrira.
“Apenas sei.”
Como se fosse uma filha de Vênus em vez de Plutão. Frank não entendeu.
É claro que ficou aliviado por Leo não estar dando em cima de sua namorada, mas Frank também estava um tanto preocupado com ele. Claro, tinham as suas diferenças, mas depois de tudo o que passaram juntos, não queria ver Leo ter seu coração partido.
— Ali!
A voz de Nico tirou Frank de seu devaneio. Como sempre, di Angelo estava empoleirado no topo do mastro. Apontou para um rio verde e brilhante que serpenteava pelas colinas a um quilômetro de distância.
— Leve-nos até lá. Estamos perto do templo. Muito perto.
Como que para confirmar sua informação, um raio negro atravessou o céu, deixando manchas escuras diante dos olhos de Frank e eriçando os pelos de seus braços.
Jason atou o cinto da espada.
— Pessoal, peguem suas armas. Leo, leve-nos para perto, mas não aterrisse. Nenhum contato com o solo além do necessário. Piper e Hazel, peguem os cabos de ancoragem.
— Agora mesmo! — exclamou Piper.
Hazel deu um beijinho na bochecha de Frank e correu para ajudar.
— Frank — disse Jason — vá lá embaixo e chame o treinador Hedge.
— Ok!
Ele desceu as escadas e dirigiu-se à cabine de Hedge. Ao se aproximar da porta, diminuiu os passos. Não queria surpreender o sátiro com barulho. O treinador Hedge tinha o hábito de pular no corredor sacudindo seu taco de beisebol se achasse que havia invasores a bordo. Frank quase teve a cabeça arrancada algumas vezes a caminho do banheiro.
Ergueu a mão para bater. Então, percebeu que a porta estava entreaberta. Ouviu o treinador Hedge falando lá dentro.
— Vamos lá, meu bem! — disse o sátiro. — Sabe que não é assim!
Frank congelou. Não queria bisbilhotar, mas não sabia o que fazer. Hazel mencionara estar preocupada com o treinador. Insistia em dizer que algo o estava incomodando, mas Frank não tinha pensado muito naquilo até então.
Nunca ouvira o treinador falar com tanta delicadeza. Normalmente, os únicos sons que Frank ouvia sair da cabine do treinador eram de eventos esportivos na tevê, ou o treinador gritando: “É! Pegue todos eles!” enquanto assistia a seus filmes favoritos de artes marciais. Frank tinha certeza de que o treinador não estaria chamando Chuck Norris de meu bem.
Ouviu-se outra voz. Feminina, embora quase inaudível, como se viesse de muito longe.
— Eu vou — prometeu o treinador Hedge — mas, hã, estamos a caminho de uma batalha — pigarreou — e pode ser feia. Apenas fique em segurança. Eu voltarei. Prometo.
Frank não conseguiu aguentar mais. Bateu com força.
— Ei, treinador?
A conversa parou.
Frank contou até seis. A porta foi aberta com violência.
O treinador Hedge olhou feio para ele, com olhos injetados de sangue, como se estivesse vendo muita tevê. Usava o boné de beisebol de costume e um short de ginástica, com uma armadura de couro sobre a camisa e o apito pendurado ao pescoço, talvez para marcar uma falta contra os exércitos de monstros.
— Zhang. O que você quer?
— Hã... estamos nos preparando para a batalha. Precisamos de você no convés.
O cavanhaque do treinador estremeceu.
— É. Claro que precisam.
Parecia estranhamente indiferente diante da possibilidade de uma batalha.
— Não queria... quer dizer, ouvi você falando — gaguejou Frank. — Você estava enviando uma mensagem de Íris?
Hedge parecia a ponto de dar um tapa na cara dele, ou ao menos soprar o apito bem alto. Então, seus ombros tombaram. Suspirou e voltou para dentro da cabine, deixando Frank em pé e sem saber o que fazer.
O treinador sentou em seu beliche, apoiou o queixo na mão em concha e examinou a cabine com um olhar melancólico. O lugar parecia um dormitório de faculdade depois de um furacão, o chão coberto de roupas (talvez para usar, talvez para comer. Era difícil saber quando o assunto eram sátiros), DVDs e pratos sujos espalhados sobre a cômoda em volta da tevê. Toda vez que o navio balançava, uma variedade de equipamentos esportivos rolava pelo chão: bolas de futebol, de basquete, de beisebol e, por algum motivo, uma única bola de bilhar. Tufos de pelo de bode flutuavam pelo ar e se acumulavam embolados sob os móveis. Se juntasse todos os tufos, dava para fazer outro treinador Hedge.
Na mesa de cabeceira dele, havia uma tigela de água, uma pilha de dracmas de ouro, uma lanterna e um prisma de vidro para produzir arco-íris. Obviamente, Hedge viera preparado para enviar um monte de mensagens de Íris.
Frank lembrou que Piper lhe contara sobre a namorada ninfa do vento do treinador, que trabalhara para o pai de Piper. Qual era mesmo o nome dela...? Melinda? Mili...? Não, Mellie.
— Hum, Mellie, sua namorada, está bem? — arriscou Frank.
— Não é da sua conta! — rebateu o treinador.
— Certo.
Hedge revirou os olhos.
— Tudo bem! Se quer saber, sim, estava conversando com Mellie. Mas ela não é mais a minha namorada.
— Ah — Frank sentiu um peso no coração — vocês se separaram?
— Não, seu idiota! Nós nos casamos! Ela é minha esposa!
Frank teria ficado menos surpreso se o treinador tivesse lhe dado um tapa.
— Treinador, isso... isso é ótimo! Quando... como?
— Não é da sua conta! — gritou outra vez.
— Hum... tudo bem.
— Fim de maio — disse o treinador — pouco antes da partida do Argo II. Não queríamos chamar muita atenção.
Frank sentiu como se o navio estivesse inclinando novamente, mas devia ser apenas impressão sua. O equipamento esportivo continuava acumulado contra a parede oposta.
O treinador estivera casado todo aquele tempo? Apesar de recém-casado, concordara em vir naquela missão. Não admira que Hedge tenha ligado tantas vezes para casa. Não era à toa que estava tão mal-humorado e agressivo.
Ainda assim... Frank sentia que algo mais estava acontecendo. O tom de voz do treinador durante a mensagem de Íris dava a entender que estavam discutindo um problema.
— Não queria me meter — disse Frank — mas... ela está bem?
— Era uma conversa particular!
— É. Você está certo.
— Tudo bem! Vou lhe dizer.
Hedge arrancou um pouco de pelo de sua coxa e deixou-o flutuar no ar.
— Ela tirou licença de seu trabalho em Los Angeles e foi passar o verão no Acampamento Meio-Sangue porque achamos que... — Sua voz falhou. — Achamos que seria mais seguro. Agora ela está presa lá, com os romanos prestes a atacar. Ela está... está muito assustada.
Frank se deu conta do emblema de centurião em sua camisa, da tatuagem SPQR em seu antebraço.
— Desculpe — murmurou ele — mas se ela é um espírito do vento, não poderia apenas... você sabe, flutuar?
O treinador fechou os dedos em torno do cabo de seu taco de beisebol.
— Normalmente sim. Mas veja... ela está em uma condição delicada. Não seria seguro.
— Condição delicada... — Os olhos de Frank se arregalaram. — Ela vai ter um bebê? Você vai ser pai?
— Grite um pouco mais alto — resmungou Hedge — acho que não ouviram você na Croácia.
Frank não pôde deixar de sorrir.
— Mas, treinador, isso é incrível! Um pequeno bebê sátiro? Ou talvez uma ninfa? Você será um pai fantástico.
Frank não sabia por que, considerando o amor do treinador por bastões de beisebol e chutes à Chuck Norris, mas tinha certeza que sim.
O treinador Hedge ficou com uma cara ainda mais feia.
— A guerra está a caminho, Zhang. Nenhum lugar é seguro. Eu deveria estar lá com Mellie. Se tiver de morrer em algum lugar...
— Ei, ninguém vai morrer — disse Frank.
Hedge olhou no fundo dos olhos do garoto. Ele podia ver que o treinador não acreditava nele.
— Sempre tive um fraco pelos filhos de Ares — resmungou Hedge — ou Marte, como queira. Talvez por isso não o tenha pulverizado por fazer tantas perguntas.
— Mas eu não estava...
— Tudo bem, vou lhe contar! — Hedge suspirou novamente. — Quando eu estava em minha primeira missão como investigador, no interior do Arizona, trouxe uma menina chamada Clarisse.
— Clarisse?
— Sua irmã — disse Hedge. — Filha de Ares. Violenta. Rude. Muito potencial. Enfim, enquanto estava fora, sonhei com a minha mãe. Ela... ela era uma ninfa do vento, como Mellie. Sonhei que ela estava em perigo e precisava de minha ajuda imediata. Mas eu disse a mim mesmo: Não, é apenas um sonho. Quem faria mal a uma velha e doce ninfa do vento? Além disso, preciso levar esta meio-sangue para um lugar seguro. Então, terminei a minha missão, levei Clarisse para o Acampamento Meio-Sangue. Depois, fui à procura de minha mãe. Era tarde demais.
Frank observou o tufo de pelo de bode pousar sobre uma bola de basquete.
— O que aconteceu com ela?
Hedge deu de ombros.
— Não faço ideia. Nunca mais a vi. Talvez, se estivesse com ela, se eu tivesse voltado mais cedo...
Frank queria dizer algo reconfortante, mas não tinha certeza do quê. Perdera a mãe na guerra do Afeganistão e sabia quão vazias as palavras sinto muito podiam soar.
— Você estava fazendo o seu trabalho — disse Frank — salvou a vida de uma semideusa.
— Agora — resmungou Hedge — minha mulher e meu filho ainda não nascido estão em perigo, do outro lado do mundo, e nada posso fazer para ajudar.
— Você está fazendo.  Estamos aqui para impedir que os gigantes despertem Gaia. Essa é a melhor maneira de manter nossos amigos a salvo.
— É. É, acho que sim.
Frank queria poder fazer mais para animar Hedge, mas aquela conversa estava fazendo com que se preocupasse com todos os outros que deixara para trás. Ele se perguntou quem estaria defendendo o Acampamento Júpiter agora que a legião marchara para leste, especialmente com todos os monstros que Gaia estava libertando pelas Portas da Morte. Ele se preocupava com seus amigos na Quinta Coorte, e como deveriam estar se sentindo com Octavian ordenando-os a marchar contra o Acampamento Meio-Sangue. Frank queria estar lá, nem que fosse para enfiar um ursinho de pelúcia na garganta daquele áugure desprezível.
O navio embicou. O equipamento esportivo rolou para baixo do beliche do treinador.
— Estamos descendo — disse Hedge. — É melhor subirmos ao convés.
— Sim — disse Frank, com a voz rouca.
— Você é um romano intrometido, Zhang.
— Mas...
— Vamos lá — disse Hedge. — E nem uma palavra sobre isso para os outros, seu fofoqueiro.

* * *

Enquanto os outros fixavam as amarras aéreas, Leo pegou Frank e Hazel pelos braços. Ele os arrastou até a balista de proa.
— Muito bem, eis o plano.
Hazel estreitou os olhos.
— Eu odeio os seus planos.
— Preciso daquele graveto mágico — disse Leo — rápido!
Frank quase engasgou com a própria língua. Hazel recuou, cobrindo instintivamente o bolso do casaco.
— Leo, você não pode...
— Encontrei uma solução — Leo voltou-se para Frank — a decisão é sua, grandalhão, mas posso protegê-lo.
Frank pensou em quantas vezes vira os dedos de Leo explodirem em chamas. Um movimento em falso e ele poderia incinerar o pedaço de lenha que controlava a vida de Frank. Mas, por algum motivo, Frank não estava aterrorizado. Desde que enfrentara os monstros bovinos em Veneza, ele mal pensara em sua frágil linha da vida. Sim, qualquer fagulha poderia matá-lo. Mas também sobrevivera a algumas coisas impossíveis e orgulhara seu pai. Frank decidira que, não importava qual fosse o seu destino, não se preocuparia com aquilo. Faria apenas o melhor que pudesse para ajudar os amigos.
Além disso, Leo parecia sério. Seus olhos ainda estavam repletos de uma estranha melancolia, como se estivesse em dois lugares ao mesmo tempo, mas nada em sua expressão indicava qualquer tipo de brincadeira.
— Vá em frente, Hazel — disse Frank.
— Mas... — Hazel suspirou profundamente. — Tudo bem.
Ela pegou o pedaço de lenha e entregou-o para Leo.
Nas mãos de Leo, não parecia muito maior do que uma chave de fenda. A lenha ainda estava carbonizada em um lado, usado por Frank para queimar as correntes de gelo que prendiam o deus Tânatos no Alasca.
De um bolso de seu cinto de ferramentas, Leo tirou um pedaço de pano branco.
— Vejam!
Frank fez uma careta.
— Um lenço?
— Uma bandeira de rendição? — adivinhou Hazel.
— Não, homens de pouca fé! — disse Leo. — Esta bolsa é feita com um tecido muito legal, presente de uma amiga.
Leo guardou o pedaço de lenha na bolsa e fechou o cordão de bronze com um laço.
— O cordão foi ideia minha — disse Leo com orgulho — deu algum trabalho adaptá-lo ao tecido, mas a bolsa não abrirá a não ser que você queira. O tecido respira como pano comum, de modo que a lenha não ficará mais abafada do que estaria no bolso do casaco de Hazel.
— Hum... — disse ela. — Então, qual a novidade?
— Segure isso para você não enfartar.
Leo jogou a bolsa para Frank, que quase a deixou cair no chão. Em seguida invocou uma bola de fogo branco em sua mão direita. Estendeu o antebraço esquerdo, sorrindo, enquanto as chamas lambiam a manga de seu casaco.
— Estão vendo? — disse ele. — Não queima!
Frank não queria discutir com um sujeito que segurava uma bola de fogo, mas respondeu:
— Hã... você é imune às chamas.
Leo revirou os olhos.
— Sim, mas tenho que me concentrar para que minhas roupas não queimem. E eu não estou me concentrando, viu? Esse pano é totalmente à prova de fogo. O que significa que sua lenha não queimará dentro dessa bolsa.
Hazel não parecia convencida.
— Como você pode ter certeza?
— Nossa, que público incrédulo — Leo apagou o fogo — creio que só há uma maneira de convencê-lo.
Ele estendeu a mão para Frank.
— Ah, não, não.
Frank recuou. Subitamente, todos aqueles pensamentos corajosos sobre aceitar seu destino pareceram-lhe muito distantes.
— Tudo bem, Leo. Obrigado, mas eu... eu não posso...
— Cara, você precisa confiar em mim.
O coração de Frank disparou. Será que confiava em Leo? Bem, com certeza... com um motor. Para dar um trote. Mas com a sua vida?
Lembrou-se do dia em que ficaram presos na fábrica subterrânea em Roma. Gaia prometera que morreriam naquele lugar. Leo prometera que tiraria Hazel e Frank daquela armadilha. E tirou. Agora, Leo falava com a mesma confiança.
— Muito bem — Frank entregou a bolsa para Leo — tente não me matar.
A mão de Leo se encheu de chamas. A bolsa não escureceu nem queimou.
Frank esperava que algo desse terrivelmente errado. Contou até vinte, mas ainda estava vivo. Sentia-se como se houvesse um bloco de gelo derretendo logo atrás de seu esterno, um pedaço de medo congelado ao qual estava tão acostumado que nem sequer se dera conta dele até ter desaparecido.
Leo apagou o fogo. Ele levantou as sobrancelhas para Frank.
— Quem é o seu melhor amigo?
— Não responda esta pergunta — disse Hazel — mas, Leo, isso foi incrível.
— Foi, não é? — concordou Leo. — Então, quem quer ficar com este agora-ultra-seguro pedaço de lenha?
— Eu fico — disse Frank.
Hazel pressionou os lábios. Olhou para baixo para que Frank não visse a mágoa em seus olhos. Ela protegera aquele pedaço de lenha por uma série de árduas batalhas. Era um sinal de confiança entre eles, um símbolo de seu relacionamento.
— Hazel, não é por sua causa — Frank falou, tão delicadamente quanto podia — não posso explicar, mas eu... eu tenho a impressão de que precisarei tomar a iniciativa quando estivermos na Casa de Hades. Preciso carregar o meu próprio fardo.
Os olhos dourados de Hazel estavam repletos de preocupação.
— Entendo. Eu só... me preocupo.
Leo jogou a bolsa para Frank, que amarrou-a ao cinto. Sentia-se estranho carregando seu defeito fatal tão abertamente, depois de meses mantendo-o escondido.
— Leo — chamou ele — obrigado.
Parecia pouco considerando o presente que lhe dera, mas Leo sorriu.
— Para isso que servem os amigos superdotados.
— Ei, pessoal! — gritou Piper da proa. — É melhor virem até aqui. Vocês precisam ver isso.

* * *

Eles encontraram a origem do raio negro.
Argo II pairava diretamente sobre o rio. A poucas centenas de metros dali, no topo da colina mais próxima, havia um grupo de ruínas. Não pareciam grande coisa, apenas alguns muros desmoronados circundando as estruturas calcárias de um punhado de edifícios, mas, de algum lugar dentro das ruínas, tentáculos de éter negro erguiam-se em direção ao céu, como uma lula de fumaça espreitando de sua caverna. Enquanto Frank observava, um raio de energia negra cortou o ar, balançando o navio e lançando uma onda de choque fria por toda a paisagem.
— O Necromanteion — disse Nico. — A Casa de Hades.
Frank se equilibrou apoiando na amurada. Imaginou que era tarde demais para sugerir que desistissem e estava começando a sentir uma certa nostalgia quanto aos monstros que enfrentara em Roma. Droga, caçar vacas venenosas em Veneza era mais legal do que aquele lugar.
Piper se abraçou.
— Eu me sinto vulnerável flutuando aqui assim. Não podemos pousar no rio?
— Não é uma boa ideia — disse Hazel. — Este é o Rio Aqueronte.
Jason estreitou os olhos, ofuscado pela luz do sol.
— Eu achava que o Aqueronte corria no Mundo Inferior.
— E corre — Hazel respondeu — mas a sua nascente fica no mundo mortal. Este rio abaixo de nós? Flui para o subsolo, direto para o reino de Plutão... hã, de Hades. Desembarcar um navio de semideuses nessas águas...
— Sim, vamos ficar aqui em cima — decidiu Leo — não quero água zumbi no meu casco.
Meio quilômetro rio abaixo, navegavam alguns barcos de pesca. Frank imaginou que os pescadores não sabiam ou não se importavam com a história daquele rio. Deve ser legal ser um mortal comum.
Ao lado de Frank, Nico di Angelo ergueu o cetro de Diocleciano. Sua orbe brilhou com luz roxa, como se em sinal de solidariedade com a tempestade escura. Relíquia romana ou não, o cetro incomodava Frank. Se realmente tinha o poder de convocar uma legião de mortos... bem, Frank não tinha certeza se aquilo era uma ideia tão boa assim.
Certa vez, Jason lhe dissera que os filhos de Marte tinham uma habilidade similar. Supostamente, Frank poderia invocar soldados fantasmas do lado perdedor de qualquer guerra para servi-lo. Nunca tivera muita sorte com esse poder, provavelmente porque aquilo o assustava bastante. Tinha medo de se tornar um dos fantasmas caso perdesse a guerra, eternamente condenado a pagar por seus fracassos, supondo que sobraria alguém para invocálo.
— Então, hã, Nico... — Frank apontou para o cetro. — Você aprendeu a usar esse treco?
— Vamos descobrir — Nico olhou para os tentáculos de escuridão que emanavam das ruínas — não pretendo tentar até ser necessário. As Portas da Morte já estão fazendo hora extra para trazerem os monstros de Gaia. Qualquer atividade a mais para trazer os mortos de volta e as Portas podem ruir permanentemente, abrindo uma fenda no mundo mortal que não poderá ser fechada.
— Odeio fendas no mundo — resmungou o treinador Hedge — vamos cortar algumas cabeças de monstros.
Frank olhou para a expressão sombria do sátiro. Subitamente, teve uma ideia.
— Treinador, você deve ficar a bordo. Proteja-nos com as balistas.
Hedge fez uma careta.
— Ficar para trás? Eu? Mas sou seu melhor soldado!
— Podemos precisar de apoio aéreo — disse Frank — como fizemos em Roma. Você salvou as nossas braccae.
Ele não acrescentou: além disso, gostaria que voltasse vivo para a sua mulher e para o seu bebê. O treinador aparentemente entendeu a mensagem. Sua carranca relaxou. Seus olhos pareceram aliviados.
— Bem — resmungou — suponho que alguém tenha de salvar as suas braccae.
Jason deu um tapa no ombro do treinador. Então, meneou a cabeça para Frank, agradecido.
— Então, está combinado. Todos os demais, vamos para as ruínas. É hora de estragar a festa de Gaia.

Capítulo LXVI - Frank

APESAR DO CALOR DO MEIO-DIA e da furiosa tempestade de energia mortal, havia um grupo de turistas nas ruínas. Felizmente, não eram muitos e não deram muita atenção aos semideuses.
Após as multidões em Roma, Frank parara de se preocupar demais com a possibilidade de serem notados. Se podiam entrar voando no Coliseu com um navio de guerra e balistas em chamas sem nem mesmo atrapalharem o tráfego, ele achava que podiam fazer qualquer coisa.
Nico caminhava à frente do grupo. No topo da colina, escalaram um velho muro de contenção e caíram do outro lado em uma trincheira. Finalmente chegaram a um portal de pedra que levava diretamente ao interior da colina. A tempestade mortal parecia se originar bem acima de suas cabeças. Olhando para o turbilhão de tentáculos de escuridão, Frank sentiu como se estivesse preso no fundo de uma privada. Aquilo realmente não acalmou seus nervos.
Nico encarou o grupo.
— A partir daqui, fica difícil.
— Legal — disse Leo — porque até agora estou achando tudo uma moleza.
Nico olhou para ele.
— Vamos ver por quanto tempo você mantém o senso de humor. Lembrem-se, este é o lugar aonde os peregrinos vinham comungar com seus antepassados mortos. No subsolo, vocês poderão ver coisas que são difíceis de olhar, ou ouvir vozes que tentarão fazê-los se perderem nos túneis. Frank, você trouxe os bolos de cevada?
— O quê?
Frank estava pensando em sua avó e em sua mãe, perguntando-se se elas poderiam aparecer para ele. Pela primeira vez em dias, as vozes de Ares e Marte voltaram a discutir no fundo de sua mente, debatendo suas formas favoritas de morte violenta.
— Eu trouxe os bolos — disse Hazel e pegou os biscoitos de cevada mágica que fizeram com os grãos que Triptólemo lhes dera em Veneza.
— Comam — aconselhou Nico.
Frank mordeu o biscoito da morte e tentou não engasgar. Parecia que era feito de serragem em vez de açúcar.
— Eca! — exclamou Piper.
Até mesmo uma filha de Afrodite não conseguiu evitar fazer uma careta.
— Muito bem. — Nico engoliu o restante da cevada. — Isso deve nos proteger do veneno.
— Veneno? — perguntou Leo. — Perdi a parte do veneno? Porque eu adoro veneno.
— Logo — prometeu Nico — apenas fiquem juntos e talvez possamos evitar ficarmos perdidos ou loucos.
Com essa feliz observação, Nico os guiou para o subterrâneo.
O túnel descia em uma espiral suave, o teto sustentado por arcos de pedra branca que faziam Frank se lembrar da caixa torácica de uma baleia. Enquanto caminhavam, Hazel passou a mão pela parede.
— Isso não faz parte do templo — murmurou — isso era... o porão de uma casa senhorial, construída em tempos gregos posteriores.
Frank achava estranho como Hazel poderia saber tanto a respeito de um lugar no subterrâneo apenas estando ali. E ela nunca se enganara.
— Uma mansão? — perguntou ele. — Por favor, não me diga que estamos no lugar errado.
— A Casa de Hades fica mais abaixo — assegurou Nico — mas Hazel está certa, o nível onde estamos agora é muito mais recente. Quando os primeiros arqueólogos descobriram este lugar, pensaram ter encontrado o Necromanteion. Então perceberam que as ruínas eram muito recentes, e decidiram que estavam no lugar errado. Mas estavam certos. Apenas não cavaram fundo o bastante.
Todos dobraram uma esquina e pararam. À frente deles, o túnel terminava em um enorme bloco de pedra.
— Um desmoronamento? — perguntou Jason.
— Um teste — disse Nico — Hazel, você faria as honras?
Hazel deu um passo à frente. Ela colocou a mão sobre a rocha e o bloco de pedra virou pó.
O túnel estremeceu. Rachaduras se espalharam pelo teto. Por um momento aterrorizante, Frank imaginou que seriam esmagados por toneladas de terra – uma forma decepcionante para se morrer depois de tudo que tinham passado.
Então, o ruído parou. A poeira baixou. Uma escada circular penetrava mais profundamente na terra. O teto abobadado era sustentado por mais fileiras de arcos, estes mais próximos uns dos outros e esculpidos em pedra negra polida. Os arcos fizeram Frank se sentir tonto, como se estivesse olhando para um espelho que refletia infinitamente a mesma imagem. Nas paredes havia pinturas rústicas de gado negro marchando para baixo.
— Eu realmente não gosto de vacas — resmungou Piper.
— Concordo — disse Frank.
— Esse é o gado de Hades — Nico falou — é apenas um símbolo de...
— Vejam — apontou Frank.
No primeiro degrau da escada, brilhava um cálice dourado. Frank tinha certeza de que aquilo não estava ali havia pouco. O cálice estava cheio de um líquido verde-escuro.
— Uhul! — comentou Leo sem entusiasmo. — Suponho que este seja nosso veneno.
Nico pegou o cálice.
— Nós estamos na antiga entrada do Necromanteion. Odisseu esteve aqui, assim como dezenas de outros heróis, buscando o conselho dos mortos.
— Será que os mortos os aconselharam a irem embora imediatamente? — perguntou Leo.
— Eu adoraria isso — admitiu Piper.
Nico bebeu do cálice e, em seguida, ofereceu-o para Jason.
— Você me falou sobre confiança e assumir riscos? Bem, aqui está, filho de Júpiter. O quanto você confia em mim?
Frank não tinha ideia do que Nico estava falando, mas Jason não hesitou. Ele pegou o cálice e bebeu.
Eles o passaram entre si, cada um tomando um gole do veneno. Enquanto esperava sua vez, Frank tentou controlar o tremelique nas pernas e o intestino. Ele se perguntou o que sua avó diria caso pudesse vê-lo.
Ela provavelmente o repreenderia: Fai Zhang, seu idiota! Se todos os seus amigos bebessem veneno, você beberia também?
Frank foi o último. O sabor do líquido verde lembrou-lhe de suco de maçã estragada. Ele esvaziou o cálice, que se transformou em fumaça em suas mãos.
Nico assentiu, aparentemente satisfeito.
— Parabéns. Supondo que o veneno não nos mate, devemos conseguir abrir caminho através do primeiro nível do Necromanteion.
— Apenas o primeiro nível? — perguntou Piper.
Nico olhou para Hazel e apontou para a escadaria.
— Depois de você, irmã.

* * *

Logo, Frank se sentiu completamente perdido. A escadaria se dividia em três direções diferentes. Assim que Hazel escolhia um caminho, a escadaria se dividia outra vez. Eles abriam caminho através de túneis interligados e câmaras mortuárias toscas que pareciam iguais: nichos empoeirados entalhados nas paredes que outrora deveriam ter abrigado cadáveres. Os arcos sobre os portais tinham pinturas retratando gado preto, galhos de álamo-branco e corujas.
— Eu pensei que a coruja fosse o símbolo de Minerva — murmurou Jason.
— A coruja é um dos animais sagrados de Hades — disse Nico — seu pio é considerado um mau presságio.
— Por aqui — Hazel apontou para um portal que parecia igual a todos os outros — é o único que não vai desabar sobre nós.
— Boa escolha, então — Leo comentou.
Frank começou a sentir que estavam deixando o mundo dos vivos. Sua pele formigava, e ele se perguntou se aquilo seria um efeito colateral do veneno. A bolsa com o graveto que trazia presa ao cinto pareceu ficar mais pesada. Sob o brilho sobrenatural de suas armas mágicas, seus amigos pareciam fantasmas bruxuleantes.
Ar frio açoitava seu rosto. Em sua mente, Ares e Marte estavam em silêncio, mas Frank pensou ter ouvido outras vozes sussurrando nos corredores laterais, chamando-o para sair de seu caminho e se aproximar para ouvi-las falar.
Finalmente chegaram a um arco esculpido na forma de crânios humanos – ou talvez fossem crânios humanos incorporados à rocha. Sob a luz roxa do cetro de Diocleciano, suas órbitas vazias pareciam piscar.
Frank quase bateu no teto quando Hazel tocou em seu braço.
— Essa é a entrada para o segundo nível — disse ela — é melhor eu dar uma olhada.
Frank ainda não percebera que estava parado em frente ao portal.
— Ah, sim.
Ele abriu caminho para Hazel.
A garota correu os dedos pelos crânios esculpidos.
— Não há armadilhas na porta, mas... tem algo estranho aqui. Minha sensibilidade subterrânea está... está difusa, como se alguém estivesse tentando me atrapalhar, escondendo o que está à nossa frente.
— A feiticeira sobre a qual Hécate nos advertiu? — adivinhou Jason. — Aquela que Leo viu em um sonho? Qual era o nome dela?
Hazel mordeu o lábio.
— Seria mais seguro não dizê-lo em voz alta. Mas fiquem atentos. De uma coisa tenho certeza: deste ponto em diante, os mortos são mais poderosos do que os vivos.
Frank não estava certo de como Hazel sabia daquilo, mas acreditou nela. As vozes na escuridão pareciam estar sussurrando mais alto. Ele vislumbrou movimento nas sombras. Pelo modo como os olhos de seus amigos se moviam, eles também deviam estar vendo coisas.
— Onde estão os monstros? — perguntou Frank em voz alta. — Achei que Gaia tivesse um exército defendendo as Portas.
— Não sei — disse Jason. Sua pele pálida parecia tão verde quanto o veneno do cálice. — Neste momento eu quase preferiria uma luta aberta.
— Cuidado com o que deseja, cara.
Leo produziu uma bola de fogo em sua mão, e pela primeira vez Frank ficou contente ao ver as chamas.
— Pessoalmente, espero que não tenha ninguém em casa. Nós entramos, encontramos Percy e Annabeth, destruímos as Portas da Morte e saímos. Talvez possamos até dar uma passadinha na loja de suvenir.
— Claro — disse Frank. — Pode ir esperando.
O túnel estremeceu. Escombros caíram do teto.
Hazel agarrou a mão de Frank.
— Essa foi por pouco — murmurou ela — estes portais não resistirão por muito tempo.
— As Portas da Morte acabam de se abrir novamente — disse Nico.
— Está acontecendo a cada quinze minutos — observou Piper.
— A cada doze — corrigiu Nico, embora não tenha explicado como sabia daquilo — é melhor nos apressarmos. Percy e Annabeth estão próximos. Estão em perigo. Posso sentir isso.
Quanto mais se aprofundavam, mais os corredores se alargavam. O teto se erguia a mais de seis metros de altura e era decorado com elaboradas pinturas de corujas pousadas em galhos de álamo-branco. O espaço extra deveria ter feito Frank se sentir melhor, mas tudo em que ele conseguia pensar era na parte estratégica. Os túneis eram largos o bastante para acomodar grandes monstros, até mesmo gigantes. Havia cantos cegos em toda parte, o que era perfeito para emboscadas. O grupo poderia ser facilmente flanqueado e cercado. Eles não tinham muitas chances de retirada.
Todos os instintos de Frank lhe diziam para sair daqueles túneis. Se não havia monstros visíveis, isso só queria dizer que estavam escondidos, esperando para desencadear uma armadilha. Apesar de ele saber disso, não havia muito que pudesse fazer a respeito. Eles precisavam mesmo chegar às Portas da Morte.
Leo aproximou o fogo das paredes. Frank viu pichações em grego antigo na pedra. Ele não sabia ler essa língua, mas achava que eram orações ou súplicas aos mortos, escritas pelos peregrinos há milhares de anos. O chão do túnel estava repleto de cacos de cerâmica e moedas de prata.
— Oferendas? — supôs Piper.
— Sim — disse Nico — se você quisesse ver seus antepassados, tinha que fazer uma oferenda.
— Não vamos fazer uma oferenda — sugeriu Jason.
Ninguém contestou.
— O túnel a partir daqui é instável — advertiu Hazel — o piso pode... bem, apenas me sigam. Pisem exatamente onde eu pisar.
Ela avançou. Frank caminhou bem atrás dela, não porque se sentia particularmente corajoso, mas porque queria estar perto caso Hazel precisasse de ajuda. As vozes do deus da guerra estavam novamente discutindo em sua mente. Ele podia sentir o perigo – muito perto agora.
Fai Zhang.
Ele parou. Aquela voz... não era Ares ou Marte. Parecia vir bem do lado dele, como se alguém estivesse sussurrando em seu ouvido.
— Frank? — Jason sussurrou atrás dele. — Hazel, espere um segundo. Frank, o que há de errado?
— Nada — murmurou em resposta. — Eu só...
Pilo, disse a voz. Eu o espero em Pilo.
Frank sentiu como se o veneno estivesse borbulhando de volta à sua garganta. Ele já se assustara diversas vezes antes. Ele chegara a enfrentar o deus da morte. Mas aquela voz o aterrorizava de uma maneira diferente. Ressoava até os ossos, como se soubesse tudo sobre ele: sua maldição, sua história e seu futuro.
A avó sempre fizera questão de homenagear os antepassados. Era uma coisa chinesa. Você tinha que apaziguar os fantasmas. Você tinha que levá-los a sério. Frank sempre achara que as superstições da avó eram tolices. Agora, ele mudou de ideia. Ele não tinha nenhuma dúvida... a voz que falara com ele era de um de seus antepassados.
— Frank, não se mova.
Hazel parecia alarmada.
Frank olhou para baixo e percebeu que estava prestes a sair da trilha.
Para sobreviver, você deve liderar, disse a voz. Quando a oportunidade surgir, você deve assumir o comando.
— Liderar para onde? — perguntou Frank em voz alta.
Então a voz se foi. Frank podia sentir a sua ausência, como se a umidade do ar tivesse diminuído subitamente.
— Hã, grandalhão? — disse Leo. — Você poderia tentar não surtar? Por favor e obrigado.
Todos olhavam Frank com preocupação.
— Estou bem — conseguiu dizer. — Foi só... uma voz.
Nico balançou a cabeça.
— Eu avisei. Isso só vai piorar. Devemos...
Hazel ergueu a mão pedindo silêncio.
— Esperem aqui.
Frank não gostou, mas ela seguiu em frente sozinha. Ele contou até vinte e três antes de Hazel voltar, rosto compenetrado e pensativo.
— Lugar assustador adiante — alertou — não entrem em pânico.
— Essas coisas não combinam — murmurou Leo.
Mas todos seguiram Hazel até o interior da caverna.
O lugar era como uma catedral circular, com um teto tão alto que se perdia na escuridão. Dezenas de outros túneis levavam a direções diferentes, cada um deles ecoando com vozes fantasmagóricas. O que deixou Frank nervoso foi o chão. Era um mosaico assustador de ossos e pedras preciosas – fêmures, pelves e costelas de humanos retorcidas e fundidas em uma superfície lisa, pontilhada de diamantes e rubis. Os ossos formavam padrões, como contorcionistas esqueléticos caídos juntos, curvando-se para proteger as pedras preciosas – uma dança da morte e da riqueza.
— Não toquem em nada — disse Hazel.
— Não planejava tocar — murmurou Leo.
Jason examinou as saídas.
— Qual o caminho agora?
Pela primeira vez, Nico pareceu incerto.
— Esta deve ser a sala onde os sacerdotes invocavam os espíritos mais poderosos. Uma dessas passagens leva ao terceiro nível e ao altar do próprio Hades. Mas qual...?
Frank apontou.
— Aquela.
Em um portal na extremidade oposta da sala, um fantasma legionário romano acenava para eles. Seu rosto era enevoado e indistinto, mas Frank teve a sensação de que o fantasma olhava diretamente para ele.
Hazel franziu a testa.
— Por que aquela?
— Vocês não estão vendo o fantasma? — perguntou Frank.
— Fantasma? — questionou Nico.
Certo... se Frank estava vendo um fantasma que os filhos do Mundo Inferior não podiam ver, algo estava definitivamente errado. Ele sentiu como se o chão vibrasse debaixo dele. Então percebeu que estava mesmo vibrando.
— Precisamos chegar àquele portal — disse ele. — Agora!
Hazel quase teve que agarrá-lo para contê-lo.
— Espere, Frank! Este piso não é estável, e por baixo... bem, não tenho certeza do que há por baixo. Preciso encontrar um caminho seguro.
— Depressa, então — insistiu Frank.
Ele sacou o arco e seguiu Hazel tão rápido quanto tinha coragem de fazê-lo. Leo foi logo atrás, para fornecer luz. Os outros guardavam a retaguarda. Frank percebeu que estava assustando os amigos, mas não podia evitar. Ele tinha certeza absoluta de que tinham apenas alguns segundos antes de...
À sua frente, o fantasma legionário se vaporizou. A caverna reverberou com monstruosos rugidos: dezenas, talvez centenas de inimigos vindos de todas as direções. Frank reconheceu o rugido gutural dos filhos da terra, o berro dos grifos, os gritos roucos dos ciclopes – sons que o faziam se lembrar da Batalha de Nova Roma, amplificados no subterrâneo, ecoando em sua cabeça ainda mais alto do que as vozes do deus da guerra.
— Hazel, não pare! — ordenou Nico.
Ele tirou o cetro de Diocleciano do cinto. Piper e Jason sacaram suas espadas enquanto os monstros invadiam a caverna.
Um grupo de seis nascidos da terra arremessou uma saraivada de pedras que partiu o chão de ossos e joias como se fosse gelo. Uma fissura se abriu no centro da sala, aproximando-se em linha reta de Leo e Hazel.
Não havia tempo para ser cauteloso. Frank saltou em direção aos seus amigos, derrubando-os, e os três deslizaram através da caverna, aterrissando no limiar do túnel do fantasma enquanto pedras e lanças voavam sobre suas cabeças.
— Vamos! — gritou Frank. — Vamos, vamos!
Hazel e Leo entraram no túnel, que parecia ser o único livre de monstros. Frank não tinha certeza se aquilo era um bom sinal.
Depois de percorrerem dois metros, Leo virou-se.
— Os outros!
Toda a caverna estremeceu. Frank olhou para trás e sua coragem se esvaiu. No meio da caverna havia um abismo de quinze metros de largura, com apenas duas frágeis pontes de ossos unindo as bordas. A maior parte do exército de monstros estava do lado oposto, uivando de frustração e arremessando tudo o que podia encontrar, incluindo uns aos outros. Alguns tentaram atravessar as pontes, que rangiam e estalavam sob seu peso.
Jason, Piper e Nico estavam na borda do lado oposto, o que não era tão ruim, mas estavam cercados por ciclopes e cães infernais. Mais monstros continuaram a entrar pelos corredores laterais, enquanto grifos voejavam acima de suas cabeças, alheios ao chão que desmoronava.
Os três semideuses nunca chegariam ao túnel. Mesmo que Jason tentasse voar, seria abatido.
Frank lembrou-se da voz de seu ancestral: Quando a oportunidade surgir, você deve assumir o comando.
— Precisamos ajudá-los — disse Hazel.
A mente de Frank disparou, fazendo cálculos de batalha. Ele viu exatamente o que aconteceria: onde e quando seus amigos seriam esmagados, como todos os seis morreriam ali naquela caverna... a não ser que Frank mudasse a equação.
— Nico — gritou ele — o cetro!
Nico ergueu o cetro de Diocleciano e a caverna brilhou com a luz roxa. Fantasmas surgiram das fissuras e paredes, uma legião romana preparada para o combate. Começaram a tomar forma física, como zumbis, mas pareciam confusos. Jason gritou ordens em latim, mandando que eles formassem fileiras e atacassem. Mas os mortos-vivos apenas vagaram por entre os monstros, causando alguma confusão, mas aquilo não duraria muito tempo.
Frank se voltou para Hazel e Leo.
— Vocês dois, continuem.
Hazel arregalou os olhos.
— O quê? Não!
— Vocês precisam continuar — foi a coisa mais difícil que Frank já fizera, mas sabia que era a única opção — encontrem as Portas. Salvem Annabeth e Percy.
— Mas... — Leo olhou por sobre o ombro de Frank. — Para o chão!
Frank se deitou no exato momento em que uma saraivada de pedras passou por cima de sua cabeça. Quando conseguiu se levantar, tossindo e coberto de poeira, a entrada do túnel já não existia. Uma seção inteira da parede desabara, deixando uma montanha de escombros fumegantes.
— Hazel... — A voz de Frank falhou.
Ele tinha que acreditar que ela e Leo estavam vivos do outro lado. Frank não podia se dar ao luxo de pensar o contrário.
A raiva cresceu em seu peito. Ele se virou e avançou contra o exército de monstros.

Capítulo LXVII - Frank

FRANK NÃO ERA UM ESPECIALISTA em fantasmas, mas os legionários mortos deveriam ter sido semideuses, porque eram totalmente hiperativos e com déficit de atenção.
Eles saíam do abismo e então circulavam, sem rumo, esbarrando uns nos outros sem motivo aparente, empurrando um ou outro de volta ao abismo, atirando flechas para o ar como se estivessem tentando matar moscas e, ocasionalmente, por pura sorte, arremessando uma lança ou uma espada ou um aliado na direção do inimigo.
Enquanto isso, o exército de monstros ficava cada vez maior e mais furioso. Nascidos da terra lançaram uma saraivada de pedras que atingiu os legionários zumbis, esmagando-os como papel. Demônios femininos com pernas incompatíveis e cabelos de fogo (Frank supôs que fossem empousai) rangiam as presas e gritavam ordens para os outros monstros. Uma dezena de ciclopes avançou para as pontes em ruínas, enquanto humanoides em forma de foca – telquines, como Frank vira em Atlanta – arremessavam frascos de fogo grego através do abismo. Havia até mesmo alguns centauros selvagens no meio, atirando flechas flamejantes e pisoteando aliados menores com seus cascos.
Na verdade, a maior parte dos inimigos parecia estar armada com algum tipo de arma de fogo. Apesar de sua nova bolsa não inflamável, Frank não achou aquilo legal.
Avançou através da multidão de romanos mortos, abatendo monstros até acabarem as suas flechas, lentamente abrindo caminho em direção aos amigos.
Um pouco tarde, percebeu – dã – que devia se transformar em algo grande e poderoso, como um urso ou um dragão. Mas assim que lhe ocorreu tal pensamento, sentiu a dor explodir em seu braço. Cambaleou, olhou para baixo e ficou incrédulo ao ver a haste de uma flecha despontando de seu bíceps esquerdo. A manga de sua camisa estava encharcada de sangue. A visão do ferimento lhe causou tonturas. Mas, principalmente, deixou-o furioso. Tentou se transformar em um dragão, sem sucesso. A dor era forte demais para que pudesse se concentrar. Talvez não pudesse mudar de forma enquanto estivesse ferido.
Ótimo, pensou. Agora eu descubro isso.
Largou o arco e pegou a espada de um ser caído... bem, realmente não tinha certeza do que era aquilo, algum tipo de mulher guerreira reptiliana com corpos de serpentes em vez de pernas.
Abriu caminho tentando ignorar a dor e o sangue escorrendo pelo seu braço.
Cinco metros à frente, Nico brandia sua espada negra com uma mão, erguendo o cetro de Diocleciano com a outra. Gritava ordens para os legionários, mas estes não lhe davam atenção. Claro que não, pensou Frank. Ele é grego.
Jason e Piper estavam às costas de Nico. Jason invocou rajadas de vento para afastar dardos e flechas. Desviou um frasco de fogo grego para dentro da garganta de um grifo, que explodiu em chamas e caiu em espiral no abismo. Piper manejava com eficiência a nova espada, enquanto lançava comida da cornucópia com a outra mão, usando presuntos, frangos, maçãs e laranjas como mísseis interceptadores. O ar acima do abismo se transformou em um espetáculo pirotécnico de projéteis de fogo, estilhaços de rochas e comida fresca.
Ainda assim, os amigos de Frank não poderiam resistir eternamente. O rosto de Jason já estava coberto de suor. Gritava em latim:
— Formar fileiras!
Mas os legionários mortos também não o ouviam. Alguns dos zumbis foram úteis apenas por estarem no caminho, bloqueando monstros e sendo atingidos. Mas, se continuassem a serem ceifados, não sobraria um número suficiente deles para organizar.
— Abram caminho! — gritou Frank.
Para a sua surpresa, os legionários mortos se afastaram para ele passar. Os mais próximos se voltaram e o olharam com olhos vazios, como se à espera de novas ordens.
— Ah, ótimo — murmurou Frank.
Em Veneza, Marte lhe avisara que seu verdadeiro teste de liderança estava por vir. O ancestral fantasma de Frank insistira que ele devia assumir o comando. Mas se aqueles romanos mortos não quiseram ouvir Jason, por que deveriam ouvi-lo? Porque era filho de Marte, ou talvez, porque...
A verdade o atingiu. Jason não era mais romano. Seu tempo no Acampamento Meio-Sangue o mudara. Reyna reconhecera aquilo. Aparentemente, os legionários mortos-vivos também. Se Jason não emitia mais o tipo certo de vibração, ou a aura de um líder romano...
Frank conseguiu chegar até onde estavam os amigos no exato momento em que uma onda de ciclopes os atacava. Ergueu a espada para desviar do porrete de um ciclope, então feriu o monstro na perna, derrubando-o de costas no abismo. Outro atacou. Frank conseguiu perfurá-lo, mas a perda de sangue o estava enfraquecendo. Sua visão estava turva. Seus ouvidos zumbiam.
Estava vagamente consciente de Jason em seu flanco esquerdo, desviando os projéteis com vento; Piper à sua direita, usando o charme, incentivando os monstros a atacarem uns aos outros ou darem um refrescante salto no abismo.
— Vai ser divertido — prometia.
Alguns ouviram, mas do outro lado do abismo, as empousai contrariavam as suas ordens. Aparentemente, também sabiam usar o charme. Os monstros se acumulavam tão densamente em torno de Frank que ele mal conseguia usar a espada. O fedor dos corpos e dos hálitos era quase suficiente para derrubá-lo, mesmo sem a dor da flecha no braço.
O que deveria fazer? Tinha um plano, mas seus pensamentos estavam ficando confusos.
— Fantasmas idiotas! — gritou Nico.
— Eles não ouvem! — concordou Jason.
Era isso. Frank tinha de fazer os fantasmas ouvirem.
Convocou toda a sua força e gritou:
— Coortes, travar escudos!
Os zumbis em torno dele se agitaram. Eles se alinharam diante de Frank, erguendo os escudos em uma desleixada formação defensiva. Mas estavam se movendo muito lentamente, como sonâmbulos, e apenas alguns responderam à sua voz.
— Frank, como você fez isso? — gritou Jason.
A cabeça de Frank estava confusa pela dor. Ele se esforçou para não desmaiar.
— Sou o oficial romano em comando — disse ele. — Eles... hã, eles não o reconhecem. Sinto muito.
Jason fez uma careta, mas não parecia particularmente surpreso.
— O que fazemos?
Frank desejava ter uma resposta. Um grifo pairou acima dele, quase decapitando-o com suas garras. Nico atingiu-o com o cetro de Diocleciano, e o monstro se chocou contra uma parede.
— Orbem formate! — ordenou Frank.
Cerca de duas dezenas de zumbis obedeceram, lutando para formar um anel defensivo em torno de Frank e seus amigos. Foi o suficiente para dar aos semideuses um pouco de descanso, mas havia muitos inimigos tentando avançar. A maioria dos legionários fantasmas ainda vagava, em transe.
— O meu escalão — Frank deu-se conta.
— Todos esses monstros são do seu escalão! — gritou Piper, ferindo um centauro selvagem.
— Não — disse Frank. — Sou apenas um centurião.
Jason amaldiçoou em latim.
— Ele quer dizer que não pode controlar uma legião inteira. Não está em uma posição hierárquica elevada.
Nico cravou a espada negra em outro grifo.
— Bem, então, promova-o!
A mente de Frank estava lenta. Não compreendeu o que Nico estava dizendo. Promovê-lo? Como?
Jason gritou em sua melhor voz de sargento de treinamento:
— Frank Zhang! Eu, Jason Grace, pretor da Décima Segunda Legião Fulminata, dou-lhe a minha última ordem: renuncio ao meu posto e lhe dou uma promoção emergencial de campo de batalha, tornando-o pretor, com plenos poderes de tal posição. Assuma o comando desta legião!
Frank sentiu como se uma porta tivesse se aberto em algum lugar na Casa de Hades, deixando entrar uma lufada de ar fresco que atravessou os túneis. A flecha no braço subitamente não importava mais. Seus pensamentos clarearam. Sua visão se aguçou. As vozes de Marte e Ares falaram em sua mente, fortes e em uníssono: Acabe com eles!
Frank mal reconheceu a própria voz quando gritou:
— Legião, agmen formate!
No mesmo instante, cada legionário morto na caverna sacou a espada e ergueu o escudo. Avançaram na direção de Frank, empurrando e cortando monstros no caminho até ficarem ombro a ombro com os companheiros, organizando-se em uma formação de quadrado.
Choviam pedras, dardos e fogo, mas agora Frank tinha uma linha defensiva disciplinada que os protegia atrás de uma parede de bronze e couro.
— Arqueiros — gritou Frank. — Eiaculare flammas!
Não tinha muita esperança de que o comando funcionaria. Os arcos dos zumbis não podiam estar em boas condições. Mas, para a sua surpresa, várias dezenas de arqueiros fantasmagóricos prepararam as flechas em uníssono. As pontas de suas flechas pegaram fogo espontaneamente e uma onda flamejante e mortal partiu das fileiras da legião, diretamente em direção ao inimigo.
Ciclopes tombaram. Centauros tropeçaram. Um telquine gritava e corria em círculos com uma flecha ardente cravada na testa.
Frank ouviu uma risada às suas costas. Olhou para trás e não pôde acreditar no que via. Nico di Angelo estava realmente rindo.
— É isso aí — disse Nico — vamos virar o jogo!
— Cuneum formate! — gritou Frank — avançar com as pila!
A linha de zumbis engrossou no centro, formando uma cunha projetada para romper as linhas inimigas. Colocaram suas lanças em linha e avançaram.
Nascidos da terra urravam e atiravam pedras. Ciclopes golpeavam os escudos com punhos e porretes, mas os legionários zumbis não eram mais alvos indefesos. Possuíam força sobrehumana, dificilmente vacilando sob os ataques mais ferozes. Logo, o chão estava coberto de pó de monstro. A fileira de lanças abriu caminho em meio aos inimigos como uma gigantesca arcada dentária, derrubando ogros, mulheres serpentes e cães infernais. Os arqueiros de Frank abatiam grifos em pleno ar e provocavam o caos na equipe principal do exército de monstros do outro lado do abismo.
As forças de Frank começaram a assumir o controle de seu lado da caverna. Uma das pontes de pedra ruiu, porém mais monstros continuavam a atravessar a outra. Frank teria de detê-los.
— Jason — disse ele — pode fazer alguns legionários voarem através do abismo? O flanco esquerdo do inimigo é fraco... está vendo? Faça isso!
Jason sorriu.
— Com prazer.
Três zumbis romanos ergueram-se no ar e voaram através do abismo. Em seguida, outros três se juntaram a eles. Finalmente Jason voou até onde estavam e seu esquadrão começou a atacar alguns telquines muito surpresos, espalhando o medo através das fileiras do inimigo.
— Nico — disse Frank — continue tentando ressuscitar os romanos. Precisamos de mais soldados.
— Pode deixar comigo.
Nico ergueu o cetro de Diocleciano, que brilhava em uma tonalidade roxa ainda mais escura. Mais romanos fantasmagóricos vazaram das paredes para se unirem à luta.
Do outro lado do abismo, empousai gritavam comandos em uma linguagem que Frank não conhecia, mas a essência era óbvia. Estavam tentando fortalecer seus aliados e fazer com que continuassem a atacar pela ponte.
— Piper! — gritou Frank. — Use o charme contra as empousai! Precisamos de algum caos.
— Pensei que nunca pediria.
Ela começou a debochar dos demônios femininos:
— Sua maquiagem está borrada! Sua amiga disse que você é horrível! Aquela ali está fazendo caretas às suas costas!
Logo as empousai estavam muito ocupadas brigando entre si para gritar qualquer comando.
Os legionários avançaram, mantendo a pressão. Precisavam tomar a ponte antes de Jason ficar sobrecarregado.
— Hora de liderar — decidiu Frank.
Ele ergueu a espada emprestada e deu a ordem de ataque.

Capítulo LXVIII - Frank

FRANK NÃO PERCEBEU QUE ESTAVA brilhando. Mais tarde, Jason lhe disse que a bênção de Marte o envolvera em uma luz vermelha, como ocorrera em Veneza. Dardos não podiam atingi-lo. De algum jeito, as pedras se desviavam. Mesmo com uma flecha cravada em seu braço esquerdo, Frank nunca se sentira tão cheio de energia.
O primeiro ciclope foi destruído tão rapidamente que pareceu mentira. Frank o cortou ao meio, do ombro à cintura. O grandalhão explodiu em pó. O ciclope seguinte recuou, nervoso, de modo que Frank cortou suas pernas e derrubou-o no abismo. Os outros monstros que estavam do seu lado do abismo tentaram recuar, mas a legião os deteve.
— Formação Tetsubo! — gritou Frank. — Fila única, avançar!
Foi o primeiro a atravessar a ponte. Os mortos o seguiram, seus escudos fechados em ambos os lados e sobre as suas cabeças, desviando todos os ataques. Quando o último dos zumbis atravessou, a ponte de pedra desmoronou na escuridão, mas aquilo já não importava mais.
Nico continuou invocando mais legionários para se juntarem à luta. Ao longo da história do império, milhares de romanos serviram e morreram na Grécia. Agora, estavam de volta, respondendo ao chamado do cetro de Diocleciano.
Frank avançou, destruindo tudo à sua passagem.
— Vou queimar você! — guinchou um telquine, brandindo desesperadamente um frasco de fogo grego. — Tenho fogo!
Frank o abateu. Quando o frasco começou a cair em direção ao chão, chutou-o pela borda do penhasco antes que pudesse explodir.
Uma empousa arranhou o peito dele com as suas garras, mas Frank nada sentiu. Transformou o demônio em poeira e continuou avançando. A dor não era importante. A derrota era impensável.
Ele era o líder da legião agora, fazendo aquilo que nascera para fazer: lutar contra os inimigos de Roma, manter o seu legado, proteger as vidas de seus amigos e companheiros. Ele era o pretor Frank Zhang.
Suas forças varreram o inimigo, frustrando todas as suas tentativas de se reagrupar. Jason e Piper lutaram ao seu lado, gritando desafiadoramente. Nico avançou contra o último grupo de nascidos da terra, transformando-os em montes de lama com sua espada negra de ferro estígio.
Antes que Frank pudesse perceber, a batalha terminou. Piper traspassou a última empousa, que se vaporizou com um grito angustiado.
— Frank — chamou Jason — você está pegando fogo.
Ele olhou para baixo. Algumas gotas de óleo deviam ter respingado em sua calça, que estava começando a pegar fogo. Bateu até a calça parar de fumegar, mas não estava particularmente preocupado. Graças a Leo, não precisava mais temer o fogo.
Nico pigarreou:
— Hã... também há uma flecha cravada no seu braço.
— Eu sei.
Frank arrancou a base e tirou a ponta da flecha. Sentiu apenas uma sensação de calor e de algo saindo.
— Vou ficar bem.
Piper o fez comer um pedaço de ambrosia. Enquanto enfaixava a ferida, elogiou:
— Frank, você foi incrível. Completamente assustador, mas incrível.
Frank teve dificuldade para processar as palavras dela. Assustador não poderia se aplicar a ele. Era só Frank.
Sua adrenalina se esvaiu. Olhou em volta, perguntando-se para onde tinham ido os inimigos. Os únicos monstros que sobraram eram os seus próprios mortos-vivos romanos, que estavam parados em um estado de estupor com as armas abaixadas.
Nico ergueu o cetro, cujo orbe estava escuro e adormecido.
— Os mortos não permanecerão muito mais tempo agora que a batalha terminou.
Frank voltou-se para as suas tropas.
— Legião!
Os soldados zumbis ficaram de prontidão.
— Vocês lutaram bem — disse Frank — agora podem descansar. Dispensados.
Eles se desfizeram em pilhas de ossos, armaduras, escudos e armas. Então, até aquilo se desintegrou.
Frank sentiu como se estivesse a ponto de desmoronar. Apesar da ambrosia, o braço ferido começou a pulsar. Seus olhos estavam pesados de exaustão. A bênção de Marte esvaecia, deixando-o esgotado. Mas sua missão tinha terminado.
— Hazel e Leo — lembrou — precisamos encontrá-los.
Seus amigos olharam através do abismo. Na outra extremidade da caverna, o túnel em que Hazel e Leo entraram estava obstruído por toneladas de escombros.
— Não podemos ir por aquele caminho — disse Nico. — Talvez...
Subitamente, ele cambaleou. Nico teria caído se Jason não o tivesse amparado.
— Nico — disse Piper — o que foi?
— As Portas — disse ele. — Alguma coisa está acontecendo. Percy e Annabeth... precisamos ir agora.
— Mas como? — disse Jason. — O túnel já era.
Frank trincou os dentes. Não fora tão longe para ficar ali, impotente, enquanto seus amigos estavam em apuros.
— Não será divertido — disse ele. — Mas há outro jeito.

Capítulo LXIX - Annabeth

SER MORTA PELO TÁRTARO NÃO parecia lá uma grande honra.
Ao encarar o redemoinho de escuridão que era seu rosto, Annabeth decidiu que preferia morrer de uma forma menos memorável. Talvez caindo das escadas, ou uma morte pacífica durante o sono aos oitenta anos, depois de uma vida tranquila com Percy. Sim, isso parecia bom.
Não era a primeira vez que Annabeth enfrentava um inimigo que não tinha condições de derrotar usando a força. Normalmente, isso seria sua deixa para tentar ganhar tempo com alguma de suas conversas enroladoras de filha de Atena.
O problema é que sua voz não saía. Não conseguia nem fechar a boca. Pelo que sabia, estava babando tanto quanto Percy quando ele dormia.
Estava vagamente consciente do exército de monstros correndo ao seu redor, mas após seu rugido inicial de triunfo, a horda ficara em silêncio. Àquela altura, Annabeth e Percy já deviam ter sido feitos em pedaços. Em vez disso, os monstros mantinham distância, esperando Tártaro fazer alguma coisa.
O deus das profundezas flexionou os dedos, examinando as garras negras. Não tinha expressão, mas aprumou os ombros como se tivesse ficado satisfeito.
É bom ter forma, entoou ele. Com estas mãos, posso eviscerar vocês.
A voz dele soava como uma gravação tocada ao contrário, como se as palavras estivessem sendo sugadas pelo vórtice de seu rosto em vez de projetadas.
Na verdade, tudo parecia sugado pelo rosto daquele deus: a luz fraca, as nuvens venenosas, a essência dos monstros, até a própria frágil força vital de Annabeth. Ela olhou ao redor e se deu conta de que tudo naquela vasta planície passara a exibir uma cauda vaporosa de cometa apontada na direção de Tártaro.
Annabeth sabia que devia começar a falar, mas seus instintos lhe diziam para se esconder, para evitar fazer qualquer coisa que pudesse chamar a atenção do deus.
Além disso, o que poderia dizer? Você não vai conseguir se safar!
Isso não era verdade. Ela e Percy só tinham sobrevivido até aquele momento porque Tártaro estava ocupado saboreando sua nova forma. Queria o prazer de fazê-los em pedaços com as próprias mãos. Se Tártaro quisesse, Annabeth não tinha a menor dúvida de que ele poderia devorar sua existência com um simples pensamento, com a mesma facilidade com que havia vaporizado Hiperíon e Crios. Será que haveria um renascimento depois daquilo?
Annabeth não queria descobrir.
Ao lado dela, Percy fez algo que ela nunca o havia visto fazer. Ele largou a espada. Contracorrente simplesmente caiu de suas mãos e bateu no chão com um ruído abafado. A Névoa da Morte não ocultava mais seu rosto, mas ele ainda parecia um cadáver.
Tártaro rosnou de novo, o que possivelmente era uma risada.
O medo de vocês é um aroma maravilhoso, disse o deus. Entendo o apelo de ter um corpo físico com tantos sentidos. Talvez minha amada Gaia tenha razão ao desejar despertar de seu sono.
Ele esticou sua gigantesca mão roxa e poderia ter arrancado Percy do chão como se o semideus fosse uma erva daninha, mas Bob o interrompeu.
— Vá embora! — O titã apontou a lança para o deus. — Você não tem o direito de se meter!
Me meter? Tártaro se virou. Eu sou o senhor de todas as criaturas das trevas, Jápeto, seu insignificante. Posso fazer o que quiser.
Seu rosto, a espiral de escuridão, começou a girar mais rápido. O som uivante era tão terrível que Annabeth caiu de joelhos e tapou os ouvidos. Bob se desequilibrou. Sua energia vital, na forma da cauda de cometa, ficou mais alongada ao ser sugada na direção do rosto do deus.
Bob rugiu em desafio. Partiu para cima do deus, mirando a lança no peito de Tártaro. Antes que ela o atingisse, Tártaro jogou Bob para o lado como se ele não passasse de um inseto incômodo. O titã foi jogado longe.
Por que você não se desintegra?, perguntou Tártaro. Você não é nada. É ainda mais fraco que Crios e Hiperíon.
— Eu sou Bob — disse Bob.
Tártaro rosnou.
O que é isso? O que é Bob?
— Eu escolhi ser mais que Jápeto — disse o titã — você não me controla. Não sou como meus irmãos.
A gola de seu uniforme se moveu. Bob Pequeno saiu de debaixo da roupa e pulou para o chão. O gatinho aterrissou diante de seu dono, então arqueou as costas e chiou para o senhor do abismo.
Bob Pequeno começou a crescer diante dos olhos de Annabeth. Sua forma não parou de tremeluzir até se transformar em um esqueleto de tigre-dentes-de-sabre em tamanho real.
— Além disso... — anunciou Bob — eu tenho um bom gato.
Bob Não Tão Pequeno atacou Tártaro e cravou as garras em sua coxa. O felino escalou sua perna e entrou por debaixo da cota de malha do deus. Tártaro batia os pés e gritava, aparentemente deixando de saborear sua forma física. Enquanto isso, Bob cravou a lança no lado do corpo do deus, logo abaixo de seu protetor peitoral.
Tártaro rugiu. Ele tentou acertar Bob, mas o titã recuou e saiu de seu alcance. Bob estendeu a mão. Sua lança se libertou da carne do deus com um arranco forte e voou de volta para ele, o que fez Annabeth quase perder o fôlego tamanha a surpresa. Ela nunca havia imaginado que uma vassoura pudesse ter tantas utilidades. Bob Pequeno pulou de debaixo da saia de Tártaro e correu para o lado de seu dono, com icor dourado escorrendo de seus enormes dentes de sabre.
Você vai morrer primeiro, Jápeto, decidiu Tártaro. Depois, vou pôr sua alma em minha armadura, onde ela vai se dissolver lentamente, várias e várias vezes, em agonia eterna.
Tártaro bateu o punho no peitoral de sua armadura. Os rostos pálidos aprisionados no metal se agitaram e deram gritos silenciosos, implorando para sair.
Bob se virou para Percy e Annabeth. O titã sorriu, o que provavelmente não teria sido a reação da garota caso tivesse sido ameaçada de morte e agonia eterna.
— Cuidem das Portas — disse o titã — eu cuido do Tártaro.
O deus jogou a cabeça para trás e urrou, o que criou um vácuo tão forte que os demônios que voavam mais próximos foram sugados pelo vórtice de seu rosto e despedaçados.
Cuida de mim?, perguntou o deus em tom de zombaria. Você não passa de um titã, um filho inferior de Gaia! Você vai pagar por essa arrogância. E quanto a seus amigos mortais insignificantes...
Tártaro gesticulou para o exército de monstros, convidando-os a avançar. DESTRUAM-NOS!

Capítulo LXX - Annabeth

DESTRUAM-NOS!
Annabeth já tinha escutado essas palavras tantas vezes que elas a arrancaram de seu estado de paralisia. Ergueu a espada e gritou:
— Percy!
Ele sacou Contracorrente.
Annabeth golpeou as correntes que prendiam as Portas da Morte com toda a força. Sua lâmina de osso de drakon as cortou de primeira. Enquanto isso, Percy repelia a primeira onda de monstros. Ele atingiu uma arai e soltou um grito.
— Argh! Maldições idiotas!
Em seguida, exterminou meia dúzia de telquines. Annabeth passou por trás dele e cortou as correntes do outro lado.
As Portas estremeceram, depois se abriram com um Ding! agradável.
Bob e seu ajudante de dentes de sabre continuavam a se movimentar em volta de Tártaro. Atacavam e se esquivavam para ficarem fora do alcance de seus golpes. Não pareciam causar muitos danos, mas Tártaro, desengonçado, ia de um lado para outro. Era óbvio que não estava acostumado a lutar em um corpo humanoide. Ele atacava e errava, atacava e errava.
Mais monstros correram na direção das Portas. Uma flecha passou ao lado da cabeça de Annabeth. Ela se virou e enfiou a espada na barriga de uma empousa, depois mergulhou e passou pelas portas quando estavam começando a se fechar.
Ela as manteve abertas com o pé enquanto lutava. Como estava no elevador, pelo menos não tinha que se preocupar em ser atacada pelas costas.
— Percy, venha! — gritou ela.
Ele foi até a porta. O rosto dele pingava suor e sangue de vários cortes.
— Você está bem? — perguntou ela.
Ele assentiu.
— Uma das arai me lançou algum tipo de maldição de dor — ele atingiu um grifo em pleno ar — dói, mas não vai me matar. Entre no elevador. Vou segurar o botão.
— Aham, até parece! — Ela acertou um cavalo carnívoro no focinho com o cabo da espada e o fez voltar correndo para a turba de monstros. — Você prometeu, Cabeça de Alga. Nós não íamos nos separar! Nunca mais!
— Você é impossível!
— Eu também amo você.
Toda uma falange de ciclopes atacou, derrubando monstros menores em seu caminho. Annabeth achou que ia morrer.
— Tinham que ser ciclopes — resmungou ela.
Percy soltou um grito de guerra. Aos pés dos ciclopes, uma veia no chão explodiu, e o fogo líquido do Flegetonte espirrou nos monstros. O rio podia ter curado mortais, mas não foi muito benéfico para os ciclopes. A veia arrebentada se fechou sozinha, mas os monstros desapareceram, deixando para trás apenas algumas manchas escuras no chão.
— Annabeth, você precisa ir! — disse Percy. — Não podemos ficar os dois aqui!
— Não! — gritou ela. — Se abaixe!
Ele não perguntou por quê. Apenas se agachou, e Annabeth pulou por cima do namorado e acertou a cabeça de um ogro muito tatuado com sua espada.
Percy e ela estavam parados lado a lado no portal, à espera do ataque seguinte. A veia que explodira tinha detido momentaneamente os monstros, mas não ia demorar para que se lembrassem: Ei, espere aí, nós somos setenta e cinco zilhões, e eles, só dois.
— Bem, e então, você tem uma ideia melhor? — perguntou Percy.
Annabeth bem que queria ter.
As Portas da Morte, sua saída daquele mundo de pesadelos, estavam bem atrás deles. Mas não podiam passar por elas sem que alguém segurasse o botão do elevador por longos doze minutos. Se entrassem e simplesmente deixassem que as Portas se fechassem, Annabeth achava que os resultados não seriam nada saudáveis. E caso se afastassem das Portas, o elevador provavelmente ia se fechar e desaparecer sem eles.
A situação era tão pateticamente triste que quase dava vontade de rir.
Os monstros avançavam bem devagar, rosnando e tomando coragem.
Enquanto isso, os ataques de Bob começavam a ficar mais lentos. Tártaro estava aprendendo a controlar seu corpo novo. O Bob Pequeno dentes-de-sabre saltou sobre o deus, mas Tártaro o jogou para o lado. Bob correu na direção do deus, gritando de ódio, mas ele apenas arrancou a lança das mãos do titã e o chutou morro abaixo, fazendo-o derrubar uma fileira de telquines como se fossem pinos de boliche na forma de mamíferos marinhos.
ENTREGUE-SE!, bradou Tártaro.
— Não — disse Bob. — Você não é meu senhor.
Então morra me desafiando, disse o deus das profundezas. Vocês, titãs, não são nada para mim. Os meus filhos gigantes sempre foram melhores, mais fortes e malignos. Eles vão deixar o mundo superior tão escuro quanto meus domínios!
Tártaro quebrou a lança em duas. Bob uivou de dor. O Bob Pequeno dentes-de-sabre saiu em defesa de seu dono, rosnou para Tártaro e mostrou as presas. O titã tentava se levantar, mas Annabeth sabia que era o fim. Até os monstros se viraram para ver, como se sentissem que seu mestre Tártaro estava prestes a se tornar o centro das atenções. A morte de um titã era algo que merecia ser visto.
Percy segurou a mão de Annabeth.
— Fique aqui. Tenho que ajudá-lo.
— Percy, você não pode — gritou ela, rouca — não se pode lutar contra o Tártaro. Pelo menos, não nós.
Ela sabia que tinha razão. Tártaro estava em uma categoria única. Era mais poderoso que deuses ou titãs. Semideuses não eram nada para ele. Se Percy tentasse ajudar Bob, seria esmagado como uma formiga.
Mas Annabeth também sabia que Percy não ia ouvi-la. Ele não podia deixar Bob morrer sozinho. Simplesmente não era o jeito dele, e essa era uma das muitas razões que a faziam amá-lo, mesmo que fosse um pé no sacculum.
— Vamos juntos — decidiu Annabeth, sabendo que aquela seria a batalha final dos dois.
Se eles se afastassem das Portas, nunca mais deixariam o Tártaro. Pelo menos morreriam lutando lado a lado.
Estava prestes a dizer: Agora!
Uma comoção tomou conta do exército. A distância, Annabeth ouviu guinchos, gritos e um bum, bum persistente e rápido demais para ser a pulsação do coração no chão. Era mais como algo grande e pesado correndo a toda velocidade. Um nascido da terra girou no ar como se tivesse sido arremessado. Um jato de gás verde-claro caía em cima da horda monstruosa como se fosse uma mangueira de veneno contra motins. Tudo em seu caminho se dissolvia. Na outra extremidade do trecho de chão fervilhante e agora vazio, Annabeth viu o motivo da comoção. Ela começou a sorrir.
O drakon maeônio abriu a pele em torno do pescoço e sibilou. Seu hálito venenoso encheu o campo de batalha com o aroma de pinho e gengibre. Ele moveu o corpo de dezenas de metros, sacudiu a cauda verde pintalgada e varreu um batalhão de ogros.
Havia um gigante de pele vermelha montado em suas costas, com flores nas tranças ruivas, um gibão de couro verde e uma lança de costela de drakon na mão.
— Damásen! — gritou Annabeth.
O gigante inclinou a cabeça.
— Annabeth Chase, eu resolvi seguir seu conselho. Escolhi um novo destino para mim.

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